sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O PENSAMENTO AUTORITÁRIO

Quase sete décadas atrás, no ano de 1950, foram publicadas as conclusões de uma pesquisa coordenada por um dos maiores intelectuais de nosso tempo, o filósofo, sociólogo e compositor alemão, Theodor Adorno. Com o fim da 2ª Guerra Mundial e a derrota nazista, o objetivo era compreender em que medida a sociedade e os seus indivíduos alinhados com o fascismo estavam vulneráveis à propaganda antidemocrática. Os dados produzidos não deixaram dúvidas quanto aos sentidos autoritários presentes na sociedade.

As características da personalidade autoritária identificados por Adorno demonstram que as convicções políticas, econômicas e sociais, formavam um padrão de “mentalidade”. Se olharmos para o Brasil, por extensão, o que é possível perceber nos últimos anos é uma mentalidade que vislumbra o conteúdo da democracia como um obstáculo a ser afastado em nome da eficiência do Estado.

Tendo como pano de fundo as questões suscitadas por Adorno, ouso referir que vivemos em adesão a certos valores, mesmo que estes estejam em desconformidade com os direitos e garantias fundamentais escritos na Constituição. Assim, se é possível encontrar apoio ao linchamento de supostos infratores ou à violência policial, o juiz autoritário tende a julgar de acordo com certas opiniões, naturalizando estes fenômenos. Atos como os linchamentos ou os exageros policiais tornaram-se objeto de aplausos e até de incentivo nos meios de comunicação e passam a integrar o repertório das ações aceitas.

Vivemos uma tendência para a intolerância com base em uma distorcida percepção da realidade. É fácil ver gente condenando atitudes que violam certos valores “convencionais”. No entanto, como em geral os indivíduos não estão dispostos a uma autocrítica acerca dos seus próprios valores, a tendência é condenar quem os viola, sem entender as razões pelas quais estas questões se manifestam. É como se existisse uma necessidade compulsiva de escolher um “bode expiatório” para descarregar as próprias mazelas.

O que é possível vislumbrar com clareza em nossos dias é também uma clara oposição à mentalidade subjetiva, imaginativa e sensível. Uma impaciência para exercitar o diálogo e um desprezo por qualquer análise que busque a compreensão mais profunda e elaborada daquilo que acontece à nossa volta. Quem ousa manifestar-se nesta direção, corre o risco de ser criticado sem qualquer compaixão ou empatia. A percepção da realidade acaba sendo meio primitiva, simplista, recheada de preconceitos.

Outro aspecto importante tem a ver com o alto grau de cinismo e hostilidade para desconsiderar os valores atrelados à ideia de dignidade humana. Há um desprezo à humanidade de tal modo que os juízos antidemocráticos são exercidos por meio de agressões vistas como adequadas e até necessárias. Ou seja, o indivíduo busca justificar a agressão ao outro, em especial quando acredita que esta é aceita pelo grupo com o qual ele convive. Quem não conhece esta disposição que algumas pessoas propagam de que vivemos a ameaça de “forças obscuras” a nos empurrar para o precipício? O individuo antidemocrático acredita que o mundo está à beira do caos e que sua função, ainda que insuficiente, é redimi-lo.

Na percepção da realidade autoritária o que acaba sendo recorrente é a criação de inimigos imaginários. O sujeito trabalha com estereótipos e preconceitos distanciados da experiência e do cotidiano. É por isso que vive alardeando fantasias e riscos sem amparo em dados concretos. No combate aos inimigos imaginários são evocados poderes, igualmente, imaginários. Trata-se de um discurso que coloca como condição a própria eliminação do inimigo ou de qualquer ameaça. Tem-se, então, o primado da hipótese sobre o fato. A verdade perde importância.

Entre outras questões, o pensamento autoritário é respaldado pela ignorância e a confusão. Uma personalidade que se desenvolve no vazio do pensamento. A dedução é que se o indivíduo não sabe sobre o que se manifesta, ele tende a substituir o conhecimento pela força em uma postura disfarçada que precisa preencher o vazio com chavões, senso comum, preconceitos. Não deixa de impressionar que nos dias atuais exista um grau de ignorância e confusão tão grande em pessoas com nível de formação relativamente alto.

A ignorância e a confusão vão gerando um quadro de estranhamento e ansiedade. A consequência é, em geral, recorrer a técnicas que afastem a ansiedade e orientem para posturas que busquem dividir o mundo e as pessoas em sua dicotomia: bom e mau, certo e errado, verdade e mentira. É como se houvesse a necessidade de uma etiqueta ou “caixinha”. Com base nesta atitude o indivíduo vive a ilusão de simplificar a realidade para não responder a aquilo que ele não conhece ou é capaz de dominar.

Por fim, uma personalidade autoritária, muitas vezes, caracteriza-se por recorrer a distorções de valores e categorias para alcançar resultados antidemocráticos. Há, nesses casos, um descompasso entre o discurso e a realidade. Isso ocorre, por exemplo, quando alguém defende práticas racistas em uma sociedade racista a partir da afirmação do princípio democrático da maioria. Ou seja, se a maioria for racista, o racismo estaria, pois, legitimado. A questão de fundo é que mesmo quando a pessoa estiver recorrendo ao argumento de uma pretensa maioria, ainda assim, continuará violando direitos e garantias fundamentais indispensáveis à convivência humana.

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