sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O OVO DA SERPENTE

Há uma fábula oriental que traz a história de um homem que, enquanto dormia, teve a boca invadida por uma serpente. A serpente alojou-se no seu estômago de onde passou a controlá-lo. A liberdade desapareceu: ele estava à mercê da serpente e já não se pertencia mais: a serpente era a responsável por todos os seus atos. Um dia, o homem acorda e percebe que a serpente havia partido e que, novamente, ele era livre. Deu-se conta, então, que não sabia mais o que fazer com a sua liberdade e que havia perdido a capacidade de desejar e agir de forma autônoma.

Acredito que somos todos escravos da serpente. Se não tentarmos destruí-la ou vomitá-la, nunca veremos um pouco mais de humanidade em nossas relações. As diversas manifestações do cotidiano parecem confirmar a hipótese de que a serpente já existe e está dentro de cada um de nós. Em outras palavras, há uma tradição autoritária, uma cultura e uma crença no uso da força em detrimento do conhecimento.

A aposta em soluções sublinhadas pela força com o propósito de elucidar os mais variados problemas revela uma enorme desconfiança. Desconfia-se do conhecimento e, não raras vezes, tem-se ódio de quem demonstra saber algo que afronte ou abale algumas verdades alinhadas com o senso comum. Ignorância e confusão pautam a postura de muita gente na sociedade atual. O recurso nos termos de uma irracionalidade faz com que sejam criados inimigos imaginários. Na maioria das vezes, o “diferente” passa a ser aquele que deve ser combatido.

Ao lado da aversão ao conhecimento, há também o medo da liberdade. O indivíduo desconfia e, em geral, não sabe como exercê-la, razão pela qual aceita abrir mão dela para fundir-se com algo ou alguém a fim de adquirir a força que acredita ser necessária para resolver seus problemas reais ou imaginários. Trata-se de um sujeito que tem certa compulsão à submissão e, ao mesmo tempo, à dominação. É um submisso, que demonstra dependência com poderes ou instituições externas, mas que, ao mesmo tempo, quer dominar os outros e eliminar os diferentes. Não hesita em transformar o outro em objeto e acha bonito vê-lo sofrer.

Diz-se que o fascismo recebeu seu nome na Itália, mas um dos seus principais ativistas, o ditador Benito Mussolini, nunca esteve sozinho. Diversos movimentos semelhantes surgiram com a mesma receita. Muito ativismo, pouca reflexão, violência desmedida. Hoje, parece existir um consenso de que o fascismo é uma mistura de significações. São teorias, valores, princípios, estratégias e práticas à disposição dos governantes ou lideranças que disseminam o ódio para conquistar o poder e impor suas concepções de mundo.

O que existe é, portanto, uma ideologia de negação. Nega-se quase tudo. As diferenças, as qualidades, as conquistas históricas, as lutas. Os fascistas talvez não saibam o que querem, mas sabem bem o que não suportam. Não suportam a democracia, a educação para a liberdade e os limites ao exercício do poder. Essa mistura vem produzindo reflexos muito negativos para toda a sociedade brasileira nos últimos tempos.

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