sábado, 30 de março de 2019

Reforma da Previdência

A Reforma da Previdência, de forma trágica e midiática, vem sendo sustentada por um tipo de governança alheia a muitas situações do cotidiano. A lógica capitalista, de crescimento, da expansão dos lucros e de exploração em meio a profundos ciclos de crise, precisa avançar, custe o que custar. Vidas, famílias, história, sociabilidade, solidariedade, humanidade, não são importantes para quem busca o lucro. Mas, a despeito de tudo, afinal de contas, por que a reforma da previdência é tão importante para o capital? Arrisco três hipóteses:

Em primeiro lugar, pelo montante de recursos que ela concentra, é nela que está um dos maiores fundos públicos do mundo. Como esperar que os bancos não tenham a pretensão de gerir valores tão expressivos? Ainda mais em um país onde os sucessivos governos nunca ousaram frear a malandragem do capital financeiro sob a gerência direta dos bancos.

Em segundo lugar, a reforma tem a ver com o caráter da solidariedade fundamental no sistema de seguridade social no Brasil. Esse elemento garante as condições mínimas de vida das pessoas em condição de vulnerabilidade. Algo que vai contra os valores do mercado. Na verdade, é preciso manter um discurso que justifique a concentração de grana e poder para alguns, pois a dominação só se dá pela aceitação, inclusive, dos dominados. Para justificar a reforma o que ocorre é toda uma desconstrução de valores de justiça e dignidade humanas. As pessoas passam a ser vistas como meras produtoras de bens e serviços. Nega-se aquilo que é inerente e essencial à história de vida de cada ser humano. Não somos apenas aquilo que produzimos.

Em terceiro lugar, é preciso observar, mesmo com toda a propaganda que busca mostrar o contrário, que prevalecem e continuarão os tais privilégios para algumas classes: membros do judiciário, legislativo, executivo, militares e, principalmente, os grandes oligarcas. Portanto, a turma que sempre esteve com os bolsos cheios, permanecerá intocável. A promessa, que duvido acontecer, é que projetos de lei sobre as carreiras do judiciário, legislativo e executivo sejam aprovados no futuro.

Não se trata de uma novidade. Quem necessita se virar para garantir um pedaço de pão sobre a mesa, ou seja, a maioria da população, pra variar, outra vez, será a mais afetada. Os donos de grandes fortunas haverão de contribuir cada vez menos para a previdência. Pior, uma das propostas é justamente retirar a contribuição dos grandes conglomerados para a previdência publica. Ou seja, o que se busca é instituir uma plano de capitalização que manda as favas qualquer tipo de seguridade social num país profundamente injusto e desigual.

A Reforma da Previdência amplia a sensação de medo nas pessoas. O medo de não se aposentar. O medo do desemprego. O medo do outro que passa a ser visto como um adversário, um concorrente e, por vezes, até um inimigo. O que se percebe neste tipo de proposta é a destruição de uma mínima solidariedade. Tira-se a perspectiva de futuro para as pessoas. São elas que acabam sendo vistas como se fossem peças em uma engrenagem que não se incomoda com o sofrimento alheio.

Eu, de minha parte, reconheço como legítima a necessidade de uma ampla remodelação fiscal, econômica e política, sobretudo, em relação à distribuição de renda e na promoção de oportunidades de trabalho, consumo e ascensão social para os cidadãos e cidadãs brasileiros. A reforma da previdência deveria se pautar pelo cuidado com os mais pobres, pela redução das injustiças e pelo bem-estar dos mais idosos. É um grave equívoco sugerir um novo modelo previdenciário que reduz conquistas históricas com a justificativa de que servirá para equilibrar as contas do governo.

Um critério a orientar a reforma deveria ser: fazer aqui o que deu certo na maioria das grandes democracias mundiais. Por isso, conviria perguntar em quantos países pelo mundo afora existe um regime de capitalização universal funcionando de forma positiva e equilibrada? A resposta: Nenhum. O exemplo chileno, usado como indicativo no Brasil e implantado na ditadura de Pinochet, é um estrondoso fracasso. Cada indivíduo foi obrigado a poupar 10% do seu salário ao longo da vida. Homens aposentando-se aos 65 anos; mulheres, aos 60. Agora, quando o novo modelo começa a produzir os seus primeiros aposentados, o baixo valor dos benefícios é chocante: Em torno de 90% da população recebe por volta de meio salário mínimo. Não por acaso, o Chile ocupa o primeiro lugar na América Latina em suicídio de idosos.

Em resumo, em vez de garantir a segurança para o futuro, o que este modelo busca é entregar todo mundo aos riscos do mercado. Aposentadoria por capitalização interessa aos bancos e, de lambuja, exime o Estado de seu compromisso com a parte mais sofrida da população. Nada mais adequado para o capital do que essa reforma da previdência: concentrar poder e dinheiro nas mãos de alguns poucos e deixar os lacaios da alta cúpula com gordos benefícios. Quem pagará a conta? Por óbvio, quem precisa ralar, dia após dia.

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