domingo, 10 de março de 2019

Professores Doutrinadores?

Os professores não estão transformando crianças, adolescentes e jovens, em massa de manobra para fins ideológicos. Eles também não estão instigando milhões de seguidores ao culto de suas personalidades. Não são eles que induzem ao círculo vicioso das redes sociais para lucrar com o engajamento compulsivo em torno de seus conteúdos. Quem faz isso são os entendidos presentes nas mídias. Gente que não hesita em difundir abobrinhas.

Professores mal são ouvidos. É uma luta para manter, por exemplo, a disciplina. Em geral, recebem pouco e ainda, como no caso do Rio Grande do Sul, atrasado. Pesquisas mostram que uma boa parte do tempo das aulas é gasto para colocar crianças e adolescentes em diálogo com noções elementares de disciplina. Faltam espaços pedagógicos adequados e, não raro, as salas de aula são superlotadas. Há problemas básicos de infraestrutura  e acessibilidade.

Nos últimos anos, em parte devido à histeria de quem não tem o necessário discernimento da realidade educacional brasileira, se decidiu atribuir aos professores a responsabilidade por supostas fantasias conspiratórias. O respeito ao trabalho docente vem decaindo entre os estudantes e as suas famílias. Como resultado, o Brasil ficou em último lugar no Índice Global de Status de Professores em 2018. Os trabalhadores da educação, uma das partes de nosso já fragilizado sistema de ensino, vem sendo desmoralizados e desacreditados, sistematicamente. Basta ver a hostilidade pela qual são tratados quando se organizam para reivindicar seus direitos.

Por outro lado, conforme dados do relatório Global Digital de 2018, em nosso país, as crianças e os jovens passam, em média, oito horas por dia navegando na Internet. Você não leu errado: sim, mais de oito horas navegando, todos os dias. Isso é praticamente o dobro do tempo que passam na escola. E, em geral, eles o fazem sozinhos em seus celulares. Sem acompanhamento de adultos. Consequentemente, sob a vista grossa das famílias, que preferem fingir que o problema não é delas, elas tendem a desperdiçar o seu tempo ouvindo e reproduzindo personagens que infestam o YouTube, Facebook, Instagram, Whatsapp e o Twitter.

É um engano perigoso supor que nossa juventude esteja consumindo informação de qualidade. A lógica das redes sociais já é bem conhecida: quanto mais escandalosa, agressiva ou sensacionalista a mensagem, maior o “engajamento” . Emoções intensas, para o bem ou para o mal, são espalhadas em cada canto. O problema não é a tecnologia em si, mas o modelo massivo de dados e de perfis para que os conteúdos sejam ajustados à psicologia individual, que faz desta plataforma uma experiência viciante por definição.

Assim, ao manipular as inseguranças da meninada, charlatões que lucram com a propaganda exibida em seus conteúdos instigam os ânimos de seus públicos para induzi-los ao consumo de suas produções. O termo “seguidor” não tem nada de inocente: trata-se de gente que conhece e manipula os princípios do marketing pessoal e que sabe o que fazer para criar a sua marca e fidelizar adeptos . É uma ilusão forjada através da repetição de um conjunto de símbolos e narrativas que são reproduzidos para reafirmar a própria identidade numa espécie de “luta” contra aqueles que são vistos como “inimigos”.

Não é por acaso que os ataques dirigidos aos professores e às escolas, aos intelectuais e aos livros, aos cientistas e às universidades, tenham origem nesses ambientes: afinal, profissionais da educação, do conhecimento, da informação e da ciência são os antídotos a esse charlatanismo que intoxica a inteligência e as emoções de milhares de usuários. É possível notar isso quando observamos gente “refutando” conceitos científicos, argumentos lógicos, referências históricas ou sociológicas.

O que temos hoje em dia são multidões idolatrando vigaristas que fazem dinheiro com seguidores que consumem conteúdos e replicam asneiras. Como consequência, a inteligência de parte da atual geração está sendo corrompida pelo consumo de preconceitos grosseiros disseminados por pessoas que distorcem o conhecimento e deformam a imaginação para garantir a fúria, as visualizações, o engajamento e os lucros. São pessoas que não estão interessadas em estimular a criatividade, a curiosidade e a criticidade: o objetivo é apenas atrair usuários para o consumo de certos conteúdos.

As famílias que se preocupam com a formação de seus filhos fariam melhor se confiassem nos professores e se unissem a eles na reflexão crítica sobre os entendidos das redes sociais que propagam conteúdos que em nada edificam. Ao ameaçar a liberdade dos professores, deixando os charlatões da internet à vontade para corromper a inteligência das crianças e dos jovens, as futuras gerações ficarão ainda mais suscetíveis à desinformação, a uma ciência sem pé ou cabeça, aos preconceitos que contaminam gestos de empatia e solidariedade.

Que tal substituir a perseguição pelo diálogo com os professores? Que tal participar nas reuniões da escola ou dos espaços de interação nas universidades para compreender a importância dos educadores nesse contexto? Professores sempre foram parceiros. Nunca inimigos! A formação crítica e plural é um dos meios mais importantes de esclarecimento contra a desinformação.

Não é por acaso que muitos destes falastrões costumam odiar pensadores como Paulo Freire. Um educador que soube formular, na minha modesta opinião, a reflexão mais sofisticada sobre a necessidade de se posicionar como um sujeito crítico diante as informações que circulam à nossa volta. Que o mundo está mudando estamos todos percebendo, mas que tal unir forças contra a ignorância e a favor de uma educação que nos faça sonhar com um futuro melhor?

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