sábado, 23 de março de 2019

DEMOCRACIA OU TEOCRACIA?

“Uma educação baseada em princípios é uma educação baseada na palavra de Deus. Onde a geografia, a história, a matemática, vai ser vista sob a ótica de Deus. Em uma cosmovisão cristã. Então o aluno vai aprender que o autor da história é Deus. O realizador da geografia é Deus. Deus fez as planícies, Deus fez os relevos, Deus fez o clima. A matemática, o maior matemático foi Deus. Ele começa a palavra lá em gênesis, no primeiro dia, no segundo dia…”

As palavras acima não fazem alusão a alguma pregação ou homilia, mas, não por acaso, são de uma pastora. Seu nome: Iolene Lima. Ela que havia sido nomeada a “número dois” do Ministério da Educação. Braço direito do colombiano Ricardo Vélez em uma dança das cadeiras provocada pela ingerência do escritor, astrólogo e guru, Olavo de Carvalho.

A ideia de que a crença religiosa, no caso, cristã, deveria ser ensinada em todas as disciplinas como sendo uma verdade “maior” ou “científica” tem a ver com este estado de coisas que vivenciamos em nosso país. Tornamo-nos reféns de uma política capaz de se impor de forma cabal diante da diversidade cultural e sobre uma Constituição que garante o Estado laico. Trata-se de um exemplo na contramão de uma educação que busca assegurar o desenvolvimento da autonomia, do criticismo, do exercício da cidadania e dos direitos individuais.

O que vemos nesta situação é um típico exemplo de imposição que traz em seu bojo uma amostra do nível que a teocracia alcançou no Brasil a ponto de atropelar a Constituição. Esquece-se, por completo, o que o artigo 5° da nossa Carta Maior estabelece como neutralidade do Estado perante qualquer matriz religiosa. Isso deveria se traduzir, todos os dias, pelo respeito aos diferentes credos e, inclusive, pela ausência deles se o indivíduo assim o desejasse. Trata-se do principio da laicidade protegendo a liberdade religiosa tanto em sua dimensão pessoal como também social. Não se pode impor, por meio de leis ou decretos, nenhuma verdade religiosa ou filosófica no âmbito da educação formal. Simples assim.

As palavras da pastora são uma pequena amostra de como a educação brasileira adora misturar ciência com religião lá onde o exercício do pensamento crítico e criativo deveria prevalecer. O objetivo parece ser claro: catequizar os educandos. Para combater uma suposta “doutrinação” a solução surge pela imposição de determinadas “verdades”. Enquanto são gastos tempo e esforço com discussões estapafúrdias, o ambiente escolar carece de infraestrutura básica, de segurança, de salários dignos, de mais funcionários, da revisão de valores. Há toda uma comunidade escolar que anseia por amparo para o pleno exercício dos processos de ensino e aprendizagem. O que se nota é a ignorância em relação ao real problema da educação. Como numa cortina de fumaça, o que interessa, de fato, fica de lado.

A impressão que se tem é que caminhamos para um tempo como da Idade Média. Vive-se uma ignorância da qual alguns até se orgulham. Vemos a banalização da violência, não poucas vezes, em nome de Deus, da pátria e de uma moral que ninguém consegue cumprir. Para quem conhece um pouco da história da humanidade, não é difícil perceber que as maiores atrocidades que ocorreram foram em nome de uma moral: matou-se a quem rejeitava ou não seguia a moral cristã no tempo das cruzadas e da inquisição; matou-se no nazismo em nome de um nacionalismo idealizado. Imoral era quem rejeitasse o orgulho da descendência ariana. Em diversas culturas, não aceitar aquilo que alguma liderança sugeria, independente do seu espectro ideológico, significava a morte. Ao impor caprichos e exigir o seu cumprimento, a humanidade dizimou em nome da paz, da boa convivência, da harmonia, do amor a Deus e ao próximo.

No Brasil, vivemos hoje, a violência física e simbólica, apresentada sob os ditames de uma suposta ordem. Um simulacro da moralidade e da democracia. Os usos e costumes viraram a bola da vez. Há, inclusive, quem em nome de Deus e da sua fé, consegue justificar o ato de tirar a vida do seu semelhante. O falso evangelho começa pela demonização da sexualidade e se consolida na higienização social promovida por uma ortodoxia hipócrita na qual a censura funciona como última palavra. Mais ou menos como naquela conhecida máxima: Ou concorda comigo, ou serás meu inimigo!

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