sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Você sabe o que é o Fascismo?

O atlas da violência lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2016 analisou os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) na última década em nosso país. Segundo a pesquisa, apenas em 2015, o país registrou quase 60 mil homicídios. As vítimas, em sua maioria, do sexo masculino, jovens, pobres e negros. Os dados refletem os efeitos do racismo estrutural e institucional que persiste em nossa sociedade. A extrema desigualdade social, a falta de oportunidades, a crise econômica, o desemprego.

Se, por um lado, a violência aumentou nos últimos anos, as respostas a essa situação se tornam cada vez mais radicais e autoritárias. O fato de vermos uma das figuras mais reacionárias deste país credenciar-se à corrida majoritária em 2018, não pode ser visto como algo trivial. Gente assim conquista adeptos com um discurso ofensivo e policialesco aliado a soluções fáceis como a defesa da pena de morte, da redução da maioridade penal e a castração química de delinquentes. Propõem-se combater a violência com mais violência, mas, travestida de uma suposta “ordem” em um país mergulhado na incapacidade institucional para coibir atitudes muito próximas da barbárie.

Anos atrás o indivíduo podia ser a favor da pena de morte para estupradores ou assassinos. Hoje, uma “bala na cabeça” é desejada para qualquer tipo de delito, mesmo o roubo de um pacote de biscoitos, uma caixa de leite ou uma bicicleta. Quando evidenciada pela mídia em demasia, a violência tende a gerar mais apreensão. A sua naturalização ocorre com a difusão de imagens que, de tão comuns, não chocam mais quem as assiste. Diante de um Estado ineficiente, tanto pela sua ausência como pelos seus excessos, o fascismo encontra espaço e cada vez mais adeptos.

Durante o século XX, o filósofo alemão Theodor Adorno, dedicou-se à investigação do autoritarismo que, entre outras coisas, serviu para os regimes fascistas europeus ampliar a sua força. Apoiando-se na psicologia, na sociologia e na história, o autor buscou compreender os meandros presentes nos regimes autoritários. Adorno sugere que para compreender o fenômeno de uma personalidade autoritária é necessário ter em mente as necessidades dos indivíduos. São as necessidades que formam a personalidade. Mas essas forças não são óbvias: não basta uma pessoa ter motivos pessoais para odiar homossexuais, por exemplo.

Muitas vezes o ódio surge da vontade de ser aceito socialmente e responder às sensibilidades do grupo. Mesmo que determinado indivíduo nunca tenha se sentido pessoalmente ofendido com o afeto entre dois homens ou duas mulheres no meio da rua, esse ódio é produzido para que ele se encaixe em determinado grupo – a família, os colegas, na escola, na igreja, e desta forma, consiga suprir as suas carências. O mesmo raciocínio serve para as tendências ideológicas, sobretudo, àquelas mais alinhadas com o extremismo e a belicosidade. Ideias que, por conta de um entendimento bastante ingênuo, vem ampliando a sua popularidade no Brasil.

Vivemos em um mundo onde as culturas tradicionais perderam espaço para outros valores. A identidade, como descrita pelo renomado filósofo estadunidense, Michael Walzer, passa a ser um problema quando o que é considerado estável ou seguro perde suas bases. O diferente e suas formas de manifestação, anteriormente ofuscadas e coibidas, ganha uma face ameaçadora para quem teme perder seus referenciais, sejam estes religiosos, familiares, sexuais. Temos, então, a defesa da integridade da personalidade contra um inimigo externo: alguém “estranho”, pertencente a outras raças, religiões, etnias, orientação sexual ou país.

Cria-se um inimigo comum adotando estereótipos para caracterizá-lo e, em seguida, faz-se a sua desumanização. Foi este o procedimento adotado, por exemplo, pela propaganda nazista liderada por Goebbels contra judeus e comunistas. Se uma parte da população responde de forma violenta a aquilo que lhe é apresentado como sujo, pecaminoso, criminoso e indesejável, não é porque os indivíduos carregam, na sua essência, uma identidade fascista, mas porque existe toda uma estrutura capaz de potencializar e produzir um comportamento violento. O fascismo não seria possível sem um país mergulhado na crise econômica, política e moral. É justamente nos desalinhos que ele é capaz de ampliar a sua influência.

Como em outros momentos da história, o fim da corrupção vira a bandeira para unir as pessoas em torno de uma causa comum. O Brasil nos últimos anos vem produzindo apelos patrióticos por conta da incapacidade de suas lideranças. Um vazio que, infelizmente, foi sendo preenchido por discursos autoritários que defendem algumas personalidades como “salvadores da pátria” ou a ideia de uma intervenção militar. É incrível que as denúncias que envolvem figuras públicas de praticamente todas as legendas partidárias ao invés de apontarem para o caráter contínuo e sistêmico da corrupção, apenas continuam suscitando o ódio contra algumas figuras ou partidos. Com o fim da confiança nas instituições e os seus representantes, temos uma sociedade cujo desespero a torna sensível e aberta a formas estúpidas de preservação de sua própria integridade.

Trata-se de um discurso difícil de ser interpretado, porque ele é, ao mesmo tempo, conservador e progressista, social e individualista. Ele supõe a destruição de um sistema político fragilizado. É uma forma totalitária que avança por conta da deterioração de nossa frágil democracia. O fascismo, no Brasil, assim como em qualquer outro lugar do mundo, nasce do sentimento de negação da política. É a ideia de que a política não serve como instrumento de melhoria das condições de vida e que, portanto, é preciso substitui-la como espaço de decisão sem a possibilidade do voto de cada indivíduo. O fascismo vai se fortalecendo não apenas nos discursos de quem o defende, mas fundamentalmente, no silêncio e na indiferença de quem, por óbvio, deveria exercitar a sua cidadania.

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