O atlas da violência lançado pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2016 analisou os dados do Sistema de
Informação sobre Mortalidade (SIM) na última década em nosso país. Segundo a
pesquisa, apenas em 2015, o país registrou quase 60 mil homicídios. As vítimas,
em sua maioria, do sexo masculino, jovens, pobres e negros. Os dados refletem
os efeitos do racismo estrutural e institucional que persiste em nossa
sociedade. A extrema desigualdade social, a falta de oportunidades, a crise
econômica, o desemprego.
Se, por um lado, a violência aumentou nos
últimos anos, as respostas a essa situação se tornam cada vez mais radicais e
autoritárias. O fato de vermos uma das figuras mais reacionárias deste país
credenciar-se à corrida majoritária em 2018, não pode ser visto como algo
trivial. Gente assim conquista adeptos com um discurso ofensivo e policialesco
aliado a soluções fáceis como a defesa da pena de morte, da redução da
maioridade penal e a castração química de delinquentes. Propõem-se combater a
violência com mais violência, mas, travestida de uma suposta “ordem” em um país
mergulhado na incapacidade institucional para coibir atitudes muito próximas da
barbárie.
Anos atrás o indivíduo podia ser a favor da
pena de morte para estupradores ou assassinos. Hoje, uma “bala na cabeça” é
desejada para qualquer tipo de delito, mesmo o roubo de um pacote de biscoitos,
uma caixa de leite ou uma bicicleta. Quando evidenciada pela mídia em demasia,
a violência tende a gerar mais apreensão. A sua naturalização ocorre com a
difusão de imagens que, de tão comuns, não chocam mais quem as assiste. Diante
de um Estado ineficiente, tanto pela sua ausência como pelos seus excessos, o
fascismo encontra espaço e cada vez mais adeptos.
Durante o século XX, o filósofo alemão Theodor
Adorno, dedicou-se à investigação do autoritarismo que, entre outras coisas,
serviu para os regimes fascistas europeus ampliar a sua força. Apoiando-se na
psicologia, na sociologia e na história, o autor buscou compreender os meandros
presentes nos regimes autoritários. Adorno sugere que para compreender o
fenômeno de uma personalidade autoritária é necessário ter em mente as
necessidades dos indivíduos. São as necessidades que formam a personalidade.
Mas essas forças não são óbvias: não basta uma pessoa ter motivos pessoais para
odiar homossexuais, por exemplo.
Muitas vezes o ódio surge da vontade de ser
aceito socialmente e responder às sensibilidades do grupo. Mesmo que
determinado indivíduo nunca tenha se sentido pessoalmente ofendido com o afeto
entre dois homens ou duas mulheres no meio da rua, esse ódio é produzido para
que ele se encaixe em determinado grupo – a família, os colegas, na escola, na
igreja, e desta forma, consiga suprir as suas carências. O mesmo raciocínio
serve para as tendências ideológicas, sobretudo, àquelas mais alinhadas com o
extremismo e a belicosidade. Ideias que, por conta de um entendimento bastante
ingênuo, vem ampliando a sua popularidade no Brasil.
Vivemos em um mundo onde as culturas
tradicionais perderam espaço para outros valores. A identidade, como descrita
pelo renomado filósofo estadunidense, Michael Walzer, passa a ser um problema
quando o que é considerado estável ou seguro perde suas bases. O diferente e
suas formas de manifestação, anteriormente ofuscadas e coibidas, ganha uma face
ameaçadora para quem teme perder seus referenciais, sejam estes religiosos,
familiares, sexuais. Temos, então, a defesa da integridade da personalidade
contra um inimigo externo: alguém “estranho”, pertencente a outras raças,
religiões, etnias, orientação sexual ou país.
Cria-se um inimigo comum adotando
estereótipos para caracterizá-lo e, em seguida, faz-se a sua desumanização. Foi
este o procedimento adotado, por exemplo, pela propaganda nazista liderada por
Goebbels contra judeus e comunistas. Se uma parte da população responde de
forma violenta a aquilo que lhe é apresentado como sujo, pecaminoso, criminoso
e indesejável, não é porque os indivíduos carregam, na sua essência, uma
identidade fascista, mas porque existe toda uma estrutura capaz de
potencializar e produzir um comportamento violento. O fascismo não seria
possível sem um país mergulhado na crise econômica, política e moral. É
justamente nos desalinhos que ele é capaz de ampliar a sua influência.
Como em outros momentos da história, o fim da
corrupção vira a bandeira para unir as pessoas em torno de uma causa comum. O
Brasil nos últimos anos vem produzindo apelos patrióticos por conta da
incapacidade de suas lideranças. Um vazio que, infelizmente, foi sendo preenchido
por discursos autoritários que defendem algumas personalidades como “salvadores
da pátria” ou a ideia de uma intervenção militar. É incrível que as denúncias
que envolvem figuras públicas de praticamente todas as legendas partidárias ao
invés de apontarem para o caráter contínuo e sistêmico da corrupção, apenas
continuam suscitando o ódio contra algumas figuras ou partidos. Com o fim da
confiança nas instituições e os seus representantes, temos uma sociedade cujo
desespero a torna sensível e aberta a formas estúpidas de preservação de sua
própria integridade.
Trata-se de um discurso difícil de ser
interpretado, porque ele é, ao mesmo tempo, conservador e progressista, social
e individualista. Ele supõe a destruição de um sistema político fragilizado. É
uma forma totalitária que avança por conta da deterioração de nossa frágil
democracia. O fascismo, no Brasil, assim como em qualquer outro lugar do
mundo, nasce do sentimento de negação da política. É a ideia de que a
política não serve como instrumento de melhoria das condições de vida e que,
portanto, é preciso substitui-la como espaço de decisão sem a possibilidade do
voto de cada indivíduo. O fascismo vai se fortalecendo não apenas nos
discursos de quem o defende, mas fundamentalmente, no silêncio e na indiferença
de quem, por óbvio, deveria exercitar a sua cidadania.
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