André
Comte-Sponville em seu livro “Pequeno
Tratado das Grandes Virtudes”, coloca a boa-fé como um dos maiores valores da
humanidade. Para o filósofo francês, trata-se de uma referência imprescindível
à convivência humana. Ter boa fé é dizer no que se acredita, mesmo e a despeito
de possíveis incompreensões. É a fidelidade às próprias convicções na medida em
que estas confluam para uma consciência coletiva em prol do bem e do
entendimento.
As
virtudes são independentes do uso que delas se faz, como do fim a que visam ou
servem. Uma faca, por exemplo, não tem menos virtudes nas mãos do assassino do
que na do cozinheiro. Qualquer que seja a mão, a melhor faca sempre será a que
melhor cortar. A capacidade será comandada pela excelência. Todavia, a
normatividade permanece objetiva e moralmente indiferente. A faca nas mãos de
um homem mau nunca será menos excelente por estar sendo manipulada por quem não
é conduzido pelo bem. Virtude é, em última análise, exaltação de um poder que
precisa ser adquirido e manifestado no exercício e na prática cotidiana.
A
verdade deixa de ser apenas uma ideia previamente concebida, estudada e
concordada. A boa fé se opõe aos dogmatismos. Quem opta pela verdade em nome do
dogmatismo e não em nome da boa-fé, vira um intolerante. Nos dias atuais,
muitos contemplam a sua fé e o seu conhecimento como referências de um saber
absoluto, inquestionável, findo. Por conta de suas premissas, estão dispostos a
morrer e a matar. Não duvidam. Não hesitam. Imaginam conhecer uma “verdade”
independente das circunstâncias, dos acontecimentos, das pessoas. Para elas a
ciência, a democracia, a tolerância e o diálogo, são questões menores. Importa convencer
quem pensa ou age de forma diferente da sua.
Pouco
importa se a humanidade consolidou novos caminhos para os povos, há sempre aquele
que faz questão de impor sua vontade, se preciso for, de forma violenta. Quem
não conhece o fundamentalismo exacerbado pelos caminhos do obscurantismo? Vivemos
um tempo onde pipocam em cada canto indivíduos e grupos como se fossem os cavaleiros
do Apocalipse. São os juízes do absoluto desejando impor a sua visão estreita. Indivíduos
que, no fundo, vivem prisioneiros da sua própria ignorância. Escravos de
bandeiras inconsequentes, conhecidas por multiplicar distâncias entre os seres
humanos.
O
filósofo e teórico social Michel Foucault dizia que a “verdade” como conceito
absoluto precisava do poder para consolidar-se na história humana. Trata-se de
uma verdade que, na maioria das vezes, acabou sendo explicitada pelas
instituições dominantes. A verdade produzida graças a múltiplas coerções e que
tem os seus efeitos regulamentados pelo poder de quem dá as cartas.
Cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua política, seus discursos. Eles são acolhidos
e ampliados a partir de determinadas situações. Os mecanismos e as instâncias
que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, o estatuto daqueles
que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro, sempre estarão
diretamente ligados a quem exerce o poder de convencimento.
Vivemos
em meio a uma polarização de ideias. Cada dia o egoísmo fica mais forte. Nunca
tivemos tanto apreço pela economia ditando as normas do corpo e da mente. Não
bastasse tamanha loucura na sociedade que vivemos, há uma multiplicação de moralistas
que ficam por aí de plantão preocupados em julgar o comportamento alheio, mesmo
que este não lhes diga respeito. Convenhamos, que tempos macabros são estes,
meus amigos!
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