sexta-feira, 15 de setembro de 2017

VIRTUDE, VERDADE E PODER.



André Comte-Sponville em seu livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, coloca a boa-fé como um dos maiores valores da humanidade. Para o filósofo francês, trata-se de uma referência imprescindível à convivência humana. Ter boa fé é dizer no que se acredita, mesmo e a despeito de possíveis incompreensões. É a fidelidade às próprias convicções na medida em que estas confluam para uma consciência coletiva em prol do bem e do entendimento.

As virtudes são independentes do uso que delas se faz, como do fim a que visam ou servem. Uma faca, por exemplo, não tem menos virtudes nas mãos do assassino do que na do cozinheiro. Qualquer que seja a mão, a melhor faca sempre será a que melhor cortar. A capacidade será comandada pela excelência. Todavia, a normatividade permanece objetiva e moralmente indiferente. A faca nas mãos de um homem mau nunca será menos excelente por estar sendo manipulada por quem não é conduzido pelo bem. Virtude é, em última análise, exaltação de um poder que precisa ser adquirido e manifestado no exercício e na prática cotidiana.

A verdade deixa de ser apenas uma ideia previamente concebida, estudada e concordada. A boa fé se opõe aos dogmatismos. Quem opta pela verdade em nome do dogmatismo e não em nome da boa-fé, vira um intolerante. Nos dias atuais, muitos contemplam a sua fé e o seu conhecimento como referências de um saber absoluto, inquestionável, findo. Por conta de suas premissas, estão dispostos a morrer e a matar. Não duvidam. Não hesitam. Imaginam conhecer uma “verdade” independente das circunstâncias, dos acontecimentos, das pessoas. Para elas a ciência, a democracia, a tolerância e o diálogo, são questões menores. Importa convencer quem pensa ou age de forma diferente da sua.

Pouco importa se a humanidade consolidou novos caminhos para os povos, há sempre aquele que faz questão de impor sua vontade, se preciso for, de forma violenta. Quem não conhece o fundamentalismo exacerbado pelos caminhos do obscurantismo? Vivemos um tempo onde pipocam em cada canto indivíduos e grupos como se fossem os cavaleiros do Apocalipse. São os juízes do absoluto desejando impor a sua visão estreita. Indivíduos que, no fundo, vivem prisioneiros da sua própria ignorância. Escravos de bandeiras inconsequentes, conhecidas por multiplicar distâncias entre os seres humanos.

O filósofo e teórico social Michel Foucault dizia que a “verdade” como conceito absoluto precisava do poder para consolidar-se na história humana. Trata-se de uma verdade que, na maioria das vezes, acabou sendo explicitada pelas instituições dominantes. A verdade produzida graças a múltiplas coerções e que tem os seus efeitos regulamentados pelo poder de quem dá as cartas.

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política, seus discursos. Eles são acolhidos e ampliados a partir de determinadas situações. Os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro, sempre estarão diretamente ligados a quem exerce o poder de convencimento.

Vivemos em meio a uma polarização de ideias. Cada dia o egoísmo fica mais forte. Nunca tivemos tanto apreço pela economia ditando as normas do corpo e da mente. Não bastasse tamanha loucura na sociedade que vivemos, há uma multiplicação de moralistas que ficam por aí de plantão preocupados em julgar o comportamento alheio, mesmo que este não lhes diga respeito. Convenhamos, que tempos macabros são estes, meus amigos!

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