A despeito do atual cenário, a corrupção,
embora muitos queiram, não é coisa recente. Não é algo surgido nestes últimos
anos e nem está atrelada apenas a um governo ou partido. Acabo de ler - Corrupção
e poder no Brasil: Uma história, séculos XVI a XVIII - escrito pela historiadora
e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Adriana Romeiro. O livro é
um testemunho contundente acerca da corrupção como fenômeno de nossa
identidade. Ela existe desde o momento em que Cabral colocou os seus pés nesta
terra.
Ao contrário do que muitos historiadores
sustentam, a presença do império português no Brasil se deu não de uma forma
absolutista, mas por conta da criação de redes que garantiram a ascensão de uma
elite nacional. Foi por meio da corrupção que as elites locais puderam se
constituir e tomar parte no jogo do poder e nos lucros. As nossas elites só se
tornaram bem-sucedidas fazendo uso de práticas pouco convencionais.
Não só a corrupção é antiga no Brasil, mas
também a sua instrumentalização como arma política. Adriana Romeiro demonstra
que desde o século XVI, existiam autoridades acusadas de corrupção, destituídas
de seus cargos, enviados de volta a Portugal, presas, com seus bens
sequestrados em função de rivalidades políticas. À época, a coroa portuguesa
definia algumas práticas consideradas corruptas.
O governador, por exemplo, não podia se
envolver com negócios, ter qualquer atividade econômica no local em que ele
estava atuando. Mas, na prática, os moradores do Brasil achavam que era legítimo
um governador enriquecer ao longo do exercício do cargo, desde que o patrimônio
do rei não fosse prejudicado e os vassalos não sofressem alguma violência. O
limite sempre era muito tênue. De um modo geral, as pessoas eram complacentes
em relação aos desvios.
Na avaliação da autora, esta dinâmica foi
fundamental para a preservação do sistema que assim sobreviveu durante séculos.
Se fosse um império mais rígido, não iria se sustentar por muito tempo. A
sobrevivência do Brasil enquanto colônia estava ligada a essa configuração mais
fluida. Foi por meio da corrupção que as elites locais puderam prosperar e
participar tanto do poder como dos lucros. A pretensa fidelidade à Coroa
Portuguesa era medida pelos dividendos que podiam ser auferidos.
A constatação mais explicita daquilo que nos
constituiu como nação é o fato de que sempre houve um pequeno grupo que durante
séculos se valeu da corrupção como prática recorrente para garantir privilégios.
No período colonial, se tem uma visão muito negativa do Estado por parte dos
mais abastados. Entende-se que ele é um inimigo que vem para apenas cobrar
impostos e colocar obstáculos à iniciativa privada. Trata-se o Estado como um
estorvo para as pessoas.
No fundo, o que vemos hoje, continua sendo muito
parecido. Um Estado para ser espoliado, roubado, saqueado. Uma oligarquia
política que continua, salvo poucas exceções, pensando e agindo para que as
nossas riquezas sejam dilapidadas. Uma população que, em grande medida, é
incapaz de fazer qualquer autocrítica e, por isso, tende a “terceirizar” a
solução para os dilemas da vida pública.
Por conta de nossa trajetória, a existência
de uma classe política corrupta também indica para a existência de uma sociedade
impregnada pela cultura do “jeitinho” em seus múltiplos subterfúgios. A
corrupção não fica restrita à esfera pública ou estatal. Ela é sistêmica e, por
vezes, parte da nossa convivência cotidiana. A corrupção mostra o abismo entre
a lei e as atitudes, entre aquilo que é norma e o que as pessoas fazem no seu dia
a dia.
Há uma série de comportamentos que são
proibidos, mas que, na prática, as pessoas exercitam sem escrúpulos. Trata-se
de uma característica bem peculiar à nossa identidade. As condições sempre
favoreceram a cultura da corrupção no Brasil. Ela sempre fez parte da nossa história
e superá-la, requer, sobretudo, compreender melhor o passado e avaliar com
discernimento o presente para que tenhamos a capacidade de descortinar novos
caminhos no futuro.
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