O “cidadão de bem”, nos dias atuais, é uma
categoria peculiar, contraditória, meio indecifrável. Confesso ter dificuldades
em entendê-la pela via do bom senso. Afinal de contas, trata-se de um sujeito
que é contra o aborto por defender a vida, mas que faz apologia à pena de
morte. Diz ser democrata, mas não respeita o voto quando o resultado não lhe
favorece. Considera-se cristão, mas não pensa duas vezes ao elogiar chacinas,
torturas e considerar o estupro um mal menor, desde que a vida seja preservada
e não se trate de alguém de sua família. É aquele que diz ser contra a
corrupção, mas a pratica no seu dia a dia de forma “inocente”. É capaz de
vociferar barbaridades contra Cuba e a Venezuela aludindo serem ditaduras, mas
não hesita em pregar a volta da ditadura no Brasil.
É o que proclama que bandido bom é bandido
morto, desde que o mesmo não faça parte do seu círculo de amizades e
parentesco. Diz ser contra o financiamento publico de campanhas eleitorais, mas
não vê problemas no financiamento privado. A porta de entrada para a corrupção
desenfreada que tanto beneficia os piores agentes públicos. É aquele que apoia
a subserviência que transforma o país em quintal das grandes potências mundiais
em nome da concentração de renda e da exploração de milhões de seres humanos.
Vive comentando a pobreza de outras nações, mas tem os olhos e ouvidos fechados
para a miséria que está do outro lado de sua rua. Critica medidas que não
consideram as minorias em países da Europa, mas rasga o verbo contra políticas
de inclusão e cidadania no Brasil.
É aquele que se escandaliza com o pagamento
de impostos, tenta burlar as regras do fisco, mas exige saúde e educação de
primeiro mundo. Finge que o congelamento dos recursos destinados à saúde e
educação sejam medidas adequadas para o bem da maioria. É capaz de conhecer os
dados do PIB de uma Coreia do Sul, mas compreende como ajuste necessário o fato
de que o salário a ser pago no Brasil, nas próximas duas décadas, estará abaixo
da inflação. Consegue indignar-se quando alguém questiona a sua liberdade de expressão,
mas não tolera o contraditório. Desqualifica e ataca quem pensa diferente. Acha
que mandar um governante para aquele lugar é liberdade de expressão. Uma coisa trivial,
mas mandar a própria mãe para o mesmo lugar é falta de respeito e caráter. É aquele
que frequenta a igreja, mas tem uma prática que contraria toda e qualquer
verdade religiosa.
É o sujeito que se escandaliza com Lula, mas
finge não enxergar as contradições de um FHC, Jucá, Padilha, Geddel, Sarney,
Calheiros e centenas de outros da mesma estirpe e de todos os partidos. É o que
se preocupa com o sítio, mas deixa pra lá os milhões depositados em contas
suíças pertencentes a um Serra, os imóveis de luxo de um FHC, os desvios
praticados por Cunha, as peripécias de um Aécio, os cheques para Temer e toda a
sua gangue. Pouco importa os fatos, os dados, a logica, a coerência, a história
ou as estatísticas. O camarada fica indignado com as migalhas de uma bolsa
família, mas não se incomoda com os benefícios cortados de quem está doente.
Continua aplaudindo um judiciário nada inclinado à coerência e que
vergonhosamente usurpa milhões com seus auxílios de moradia, transporte, saúde,
alimentação, entre outros.
É aquele que acha absurdo conceder empréstimos
a outros países para financiamento de obras públicas para benefício de muitos,
mas acha normal que as teles privatizadas recebam milhões dos cofres públicos,
a fundo perdido, para saldar suas dívidas. É o sujeito que acha certo mudar o
mandatário por suposto crime fiscal, mas nega que estejamos caminhando em
direção ao precipício. Consegue exacerbar em suas falas uma crítica contundente
a quase todas as estatais e chamar os funcionários públicos de vagabundos, mas
se prepara uma vida inteira para fazer concurso e gozar da estabilidade conquistada.
É contra os sindicatos, mas não abre mão dos benefícios assegurados em décadas
de luta e perseverança.
Fico a me perguntar: o que ainda é possível
esperar em um país quando um ator pornô é visto e reconhecido como pensador da
educação, um plagiador mentiroso, defensor de narcotraficantes e políticos
corruptos é promovido a mais alta corte de justiça e um fascista ordinário e
estúpido tenha se transformado em mito?
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