sexta-feira, 3 de março de 2017

Oh, Coerência. Onde Estás?





O “cidadão de bem”, nos dias atuais, é uma categoria peculiar, contraditória, meio indecifrável. Confesso ter dificuldades em entendê-la pela via do bom senso. Afinal de contas, trata-se de um sujeito que é contra o aborto por defender a vida, mas que faz apologia à pena de morte. Diz ser democrata, mas não respeita o voto quando o resultado não lhe favorece. Considera-se cristão, mas não pensa duas vezes ao elogiar chacinas, torturas e considerar o estupro um mal menor, desde que a vida seja preservada e não se trate de alguém de sua família. É aquele que diz ser contra a corrupção, mas a pratica no seu dia a dia de forma “inocente”. É capaz de vociferar barbaridades contra Cuba e a Venezuela aludindo serem ditaduras, mas não hesita em pregar a volta da ditadura no Brasil.



É o que proclama que bandido bom é bandido morto, desde que o mesmo não faça parte do seu círculo de amizades e parentesco. Diz ser contra o financiamento publico de campanhas eleitorais, mas não vê problemas no financiamento privado. A porta de entrada para a corrupção desenfreada que tanto beneficia os piores agentes públicos. É aquele que apoia a subserviência que transforma o país em quintal das grandes potências mundiais em nome da concentração de renda e da exploração de milhões de seres humanos. Vive comentando a pobreza de outras nações, mas tem os olhos e ouvidos fechados para a miséria que está do outro lado de sua rua. Critica medidas que não consideram as minorias em países da Europa, mas rasga o verbo contra políticas de inclusão e cidadania no Brasil.



É aquele que se escandaliza com o pagamento de impostos, tenta burlar as regras do fisco, mas exige saúde e educação de primeiro mundo. Finge que o congelamento dos recursos destinados à saúde e educação sejam medidas adequadas para o bem da maioria. É capaz de conhecer os dados do PIB de uma Coreia do Sul, mas compreende como ajuste necessário o fato de que o salário a ser pago no Brasil, nas próximas duas décadas, estará abaixo da inflação. Consegue indignar-se quando alguém questiona a sua liberdade de expressão, mas não tolera o contraditório. Desqualifica e ataca quem pensa diferente. Acha que mandar um governante para aquele lugar é liberdade de expressão. Uma coisa trivial, mas mandar a própria mãe para o mesmo lugar é falta de respeito e caráter. É aquele que frequenta a igreja, mas tem uma prática que contraria toda e qualquer verdade religiosa.



É o sujeito que se escandaliza com Lula, mas finge não enxergar as contradições de um FHC, Jucá, Padilha, Geddel, Sarney, Calheiros e centenas de outros da mesma estirpe e de todos os partidos. É o que se preocupa com o sítio, mas deixa pra lá os milhões depositados em contas suíças pertencentes a um Serra, os imóveis de luxo de um FHC, os desvios praticados por Cunha, as peripécias de um Aécio, os cheques para Temer e toda a sua gangue. Pouco importa os fatos, os dados, a logica, a coerência, a história ou as estatísticas. O camarada fica indignado com as migalhas de uma bolsa família, mas não se incomoda com os benefícios cortados de quem está doente. Continua aplaudindo um judiciário nada inclinado à coerência e que vergonhosamente usurpa milhões com seus auxílios de moradia, transporte, saúde, alimentação, entre outros.



É aquele que acha absurdo conceder empréstimos a outros países para financiamento de obras públicas para benefício de muitos, mas acha normal que as teles privatizadas recebam milhões dos cofres públicos, a fundo perdido, para saldar suas dívidas. É o sujeito que acha certo mudar o mandatário por suposto crime fiscal, mas nega que estejamos caminhando em direção ao precipício. Consegue exacerbar em suas falas uma crítica contundente a quase todas as estatais e chamar os funcionários públicos de vagabundos, mas se prepara uma vida inteira para fazer concurso e gozar da estabilidade conquistada. É contra os sindicatos, mas não abre mão dos benefícios assegurados em décadas de luta e perseverança.



Fico a me perguntar: o que ainda é possível esperar em um país quando um ator pornô é visto e reconhecido como pensador da educação, um plagiador mentiroso, defensor de narcotraficantes e políticos corruptos é promovido a mais alta corte de justiça e um fascista ordinário e estúpido tenha se transformado em mito?

Nenhum comentário:

Postar um comentário