A deformação ética brasileira
parece estar enraizada na nossa própria identidade. Ela é histórica. Em nome de
uma suposta “governabilidade”, qualquer partido que alcance o poder é capaz de
propugnar alianças esquisitas. Políticos anacrônicos se mantêm poderosos. Não
parece ser problema andar de mãos dadas com oligarcas. Poucos se importam com
falcatruas contábeis, desvio ou lavagem de dinheiro. Toleram-se os ratos desde
que se mantenham ortodoxos.
Vinga o estereótipo de que as ambições burguesas prevalecem nos ideais da maioria da população brasileira. O palanque dos comícios acabou se transformando em palco de showmícios. As sacristias foram cedendo lugar para os camarins. Os laboratórios instrumentalizados para auferir vantagens e dividendos monetários. Carrinho novo, com prestações a perder de vista, formando engarrafamentos gigantescos.
A felicidade cotidiana parece estar diretamente relacionada à liberdade de nossas escolhas mesmo que estas estejam recheadas de ambiguidades éticas e morais. Não é raro perceber indivíduos que trazem consigo o sentimento de um vazio existencial que sufoca o peito e faz lembrar que somos frágeis e finitos. Ainda que sejamos capazes de perceber nossas incompletudes, não ousamos percorrer caminhos que não permitam alguns minutos de reconhecimento e prestígio. Negligenciamos aquilo que está no nosso coração e criamos uma realidade repleta de artificialismos. Acostumamo-nos com os sorrisos plásticos. Com a esperança transformada em frase de efeito.
Nunca o conhecimento pragmático da modernidade esteve tão distante da suposição da dúvida. Certezas, sempre. Importa parecer inabalável. Fundamentalismo, outrora uma patologia religiosa, foi se estendendo para o âmbito da política e a militância do terceiro setor. As redes sociais vão favorecendo e proliferando o recurso da farsa. O teclado virou trincheira. Mobilização, nos dias atuais, não parece estar mais nas ruas. Impera o anonimato.
Os processos de alienação do mundo neoliberal são cada vez mais eficientes. A indústria da propaganda expressa e plenifica um sentido de vida para cidadãos e cidadãs. Poucos atentam para os danos ou implicações desta realidade que submete milhões a morrerem de fome no Sudão, nas Filipinas, no demonizado Afeganistão. Crianças que vivem nas ruas, vítimas do abandono, da fome, das guerras. Presas fáceis das máfias da prostituição, da delinquência, do narcotráfico, da pornografia, da mendicância e dos esquadrões da morte.
Conceitos como liberdade, democracia, soberania, direitos humanos, solidariedade, tornaram-se tão levianos e ocupam menos espaço no dia a dia da publicidade do que as palavras cruzadas, as notícias das novelas e o horóscopo. Aturdidos por conversa mole e falsas promessas, esmagados por palavras vazias, sem alma e paixão, os seres humanos vivem cada vez mais isolados, tristes, sem perceber caminhos que os façam encontrar o sentido da justiça, do amor, da paz.
Palavras sem verdades. Ditas sem o menor respeito a si mesmo e aos semelhantes. Apenas para cumprir determinada obrigação, confundir, ganhar tempo, livra-se da própria responsabilidade. Palavras carregadas de mentira e frivolidade. Palavras sem alma nos discursos políticos, nos sermões religiosos, nos ensinamentos de professores. Palavras intoxicadas de pura retórica, vacuidade, academicismo sem preocupação com um mundo melhor.
Será impossível construirmos um país, um mundo e uma sociedade plena de sentido para todos os seres humanos enquanto a palavra não tiver valor. Enquanto o falso e o verdadeiro forem meios igualmente válidos para alcançar um objetivo. Fizemos de nosso mundo uma verdadeira Torre de Babel no qual, ao matarmos o valor da palavra, não percebemos que já não conseguimos mais exercitar a partilha, a comunicação, o entendimento.
Necessitamos, com urgência, recuperar o valor da palavra. Aprender e reaprender a falar e a escutar palavras encarnadas no comportamento, na coerência, no fazer. Somente a coerência poderá sacudir consciências, animar, transformar e libertar para a vida em plenitude.
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