sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Os Sentidos dos Protestos no Brasil



É fato incontestável que no Brasil, a cada dia, os cidadãos sofrem por conta das mazelas sociais que estão a nossa volta, escancaradas. Milhares de pessoas são roubadas, estupradas, humilhadas na sua integridade física e moral, mas preferem não fazer algum registro de ocorrência por pensar: não adianta mesmo; não resolve; não dá em nada. Poucos ainda acreditam no sistema judiciário em todas as suas instâncias. Perdura no país o sentimento de que existe o tráfico de influência, a conivência e até a lamentável inversão de valores em tribunais.


Polícia atira antes de perguntar, principalmente nas favelas. Tiroteio com “bala perdida”, quando não mata, nem chega a ser notícia. Só se considera chacina quando acontece a eliminação sumária de uma meia dúzia. O charlatanismo tornou-se prática comum em programas religiosos, mas pelo que se pode perceber nunca algum pastor ou padre curandeiro cumpriu pena.


Toda semana um novo escândalo político pauta o noticiário. E a cada novo escândalo vai sendo elaborada uma cultura complacente. Os principais expoentes do parlamento já se valeram de cabeças de gado, de milagres e até de sucessivos prêmios na loteria para explicar as fortunas pessoais. Caixa dois em campanha é comum. Financiamento de partidos, com subsídio de empreiteiras, tornou-se prática ordinária. Pontes, estradas, viadutos, passarelas e agora estádios, acabam custando até dez vezes mais do que o orçamento previsto. Grupos de empresários vão alinhavando o preço das obras em licitações viciadas. As estradas permanecem esburacadas, o transporte público encontra-se sobrecarregado e os aeroportos, ultrapassados.


Para custear tanta corrupção, sobram leis, impostos, taxas e mais taxas. Parece não ter fim a gana de alguns empresários com os trabalhadores que a cada dia vão sendo mais explorados por conta da desenfreada busca pelo lucro. O salário dos parlamentares, somados aos benefícios, pagaria milhares de professores. Passou da conta o cinismo e a falta de vergonha na cara dos corruptos que seguem a sua jornada sem problemas de consciência moral.


O Brasil foi para as ruas porque muitos políticos são canalhas, aproveitadores, malandros e falsamente surdos. Ouvem, mas não respondem. A prova disso é a reação dos senadores que decidiram manter a estupidez dos parentes suplentes alegando que não viram cartaz algum nas ruas pedindo o fim dessa idiotice sem precedentes. O Brasil foi às ruas porque o presidente do Senado e o presidente da Câmara dos Deputados são duas raposas que há muito deveriam ter sido banidas da esfera pública.


O Brasil foi às ruas porque o presidente do STF, tido como herói moralizador, frequenta o camarote de uma estrela de televisão, que retribui com emprego para o filho do magistrado, que muito agradecido, grava vídeo de feliz aniversário para o pai anônimo da estrela.


O Brasil protesta porque não sabe ler direito. Por confundir admiração com idolatria e esquecer a sua história. Por ainda não ter conseguido corrigir os erros do passado nem convencer inúmeros políticos de que seus hábitos são nocivos, nefastos, hediondos, imorais.


Todo cidadão minimamente instruído é sabedor de que os hospitais estão sucateados e não conseguem tratar os pacientes com dignidade. Idosos se acumulam e morrem pelos corredores. Crianças agonizam em berçários superlotados. Pacientes chegam a esperar meses ou até anos por alguma cirurgia que poderia salvar a vida. Falta remédio. Faltam profissionais. Por não termos um saneamento básico adequado, diversas doenças endêmicas fazem vítimas e mais vítimas a cada ano.


Num país com dimensões continentais como o Brasil, há desmandos e mais desmandos que precisam ser consertados. Diante de tamanha desarrumação, sempre existe o risco de não chegar a lugar nenhum.  A pressão popular deve continuar. O povo deve permanecer nas ruas. Chegou a hora de mais setores se envolverem. Partidos que mantém algum idealismo, juristas, pastores, professores, jovens, idosos e até crianças, que entendem a sua tarefa e sonham com a justiça, com a decência, com a cidadania plena, tem no engajamento e na militância a sua bandeira de ação. É preciso irmanar-se na busca do mesmo objetivo.


A onda de manifestações populares que surpreendeu o Brasil e atemorizou os governantes deve estimular debates que permitam avançar na direção de um pais mais justo. As multidões nas ruas mostram a crise de um modelo político que vem se arrastando desde a fundação do país. Temo, sobretudo, que as instâncias do poder constituído reajam como de costume: finjam que estão dispostas a mudar tudo para continuar como sempre.

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