quinta-feira, 24 de maio de 2018

RESCALDOS DA GREVE

É correta a paralisação dos caminhoneiros. Entendo as repercussões negativas e, inclusive, como todos os brasileiros, sou atingido por elas. O atual governo não tem legitimidade para negociar, dialogar ou fazer valer as leis. A população sabe, os caminhoneiros sabem, as empresas transportadoras sabem, os produtores rurais, sabem, as indústrias, também.
 
A paralisação dos caminhoneiros é, portanto, legítima. Ela foi tomando forma pelo descontentamento de quem tira o seu sustento andando pelas estradas esburacadas e cheias de pedágios abusivos neste país continental. Com os aumentos no combustível e a política abusiva de preços atrelada ao mercado praticada pela Petrobras, ocorreu um aumento nos custos dos fretes e uma significativa redução do valor que sobra na mão dos caminhoneiros. 

É preciso observar, contudo, que a greve conta com o forte apoio de empresas de transporte de cargas que, a meu ver, tentam se aproveitar da situação. Trata-se de uma greve de trabalhadores na qual as empresas andam interessadas em seus dividendos. As pessoas, em geral, não sabem que apenas, por volta de 30% do transporte rodoviário no Brasil é ligado a empreendedores autônomos. A maior fatia é explorada por empresas ou grandes conglomerados de transportes.
 
O governo, por sua vez, se tivesse alguma legitimidade deveria garantir que qualquer patrão que usasse um empregado para barganhar benefícios, deveria ser punido. Não é de hoje que este tipo de coisa acontece. Sempre existiram dirigentes que usam o clamor popular para interesses escusos. Acredito que com um movimento tão amplo e uma adesão tão plural, se houvesse alguma vontade em destituir nossos atuais mandatários, a empreitada poderia ser exitosa. No entanto, ainda que frases acerca da corrupção sejam multiplicadas, não parece ser este o propósito do movimento. 

O aumento nos combustíveis tem a ver com toda a população. Atinge quem precisa do transporte público, de comida, de medicamentos, educação, segurança, etc. O Brasil vive uma dependência quase absoluta do petróleo e do transporte rodoviário. Se não ousarmos outras formas de dependência, corremos o risco eminente de viver o caos sempre que alguma conjuntura desfavorável aparecer em nosso horizonte. 

É preciso retomar o controle soberano das nossas reservas de petróleo, não apenas por meio dos preços dos combustíveis e dos alimentos, mas por meio de investimentos em saúde, educação e tecnologia para podermos diversificar, sobretudo, a matriz energética brasileira. Sem a retomada do desenvolvimento é fácil imaginar que poderemos nos transformar em um país cada vez mais bagunçado. 

Lamentavelmente, a pauta da greve dos caminhoneiros que, quase sempre, necessitam cumprir jornadas de trabalho para muito além do razoável, com noites sem dormir e na base de remédios para não sucumbir às imposições das transportadoras, não parece ser um dos assuntos importantes. Trata-se de um grupo de trabalhadores com condições, muitas vezes, desumanas. É preciso defender não apenas o valor do óleo diesel, mas, também, melhores condições para este grupo. Uma greve organizada por patrões ou com seu patrocínio, nunca irá defender, em primeiro plano, os próprios trabalhadores. 

Quando o Estado deixa de se preocupar com os interesses da população e passa a se preocupar apenas com os interesses do mercado, o que é colocado em prática se relaciona com uma ideologia que acaba resguardando vantagens para uma pequena elite. O que estamos vivenciando no país em relação aos preços dos combustíveis é apenas um exemplo no qual a desgraça de muitos acaba sendo a alegria de alguns poucos. 

Não adianta criticar o movimento dos caminhoneiros ou "botar a culpa nos paneleiros", como alguns tem feito. O negócio é dar nome aos bois e dizer com clareza as razões pelas quais as coisas estão assim em nosso país. Não vejo outro caminho viável caso queiramos modificar a situação. O pedido de intervenção militar alardeado por algumas pessoas ligadas ao movimento é, pelo menos pra mim, uma asneira sem tamanho. Algo assim não é viável do ponto de vista histórico, social, político, mas, principalmente, econômico. E como a economia é quem dá as cartas nesta republiqueta de bananas, acho esta reinvindicação absurda. 

Por fim, sobre Temer, prefiro que ele acabe o seu vergonhoso governo com a mais medíocre popularidade da história e como o pior presidente que esse país já teve desde a sua redemocratização. Que seja esta a marca de seu tempo na presidência para que as pessoas, se não pelo entendimento, que, pelo menos, saibam tirar alguma lição por meio da dor. Talvez assim, quando alguém, no futuro, vier com a conversa mole sobre debelar a corrupção ou colocar o país nos trilhos, as pessoas não caiam nesta arapuca armada por uma meia dúzia de aloprados que se acham os salvadores da pátria.

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