sexta-feira, 7 de outubro de 2016

AS DESGRAÇAS DO DIAS ATUAIS


Atualmente, com o crescimento da intolerância religiosa, social, sexual e étnica, é preciso voltar os olhos para as pessoas que clamam com plena convicção a volta de regimes totalitários e de exceção num sentido de restituição de uma suposta “ordem”. É preciso refletir acerca do crescimento de ideologias reacionárias apoiadas pelo anonimato e seguidas por um número cada vez maior de indivíduos. O espaço público virou local estratégico para esta nova engrenagem. Desconsidera-se o bom senso ao utilizar os ambientes virtuais para aprovar e até promover quem um dia foi responsável pela morte, prisão e torturas.

Tenho me perguntado o que motiva pessoas aparentemente “esclarecidas” a optar por uma defesa intransigente de determinadas práticas em um retorno a um sistema “ideal” que naturaliza o radicalismo e a selvageria. Pessoas que não se constrangem em achar que uma série de conquistas ligadas aos direitos humanos seriam resquícios danosos para o equilíbrio da sociedade? Como entender que haja tanta dificuldade para dialogar? Para articular a partilha e o entendimento?

Arrisco dizer que um diagnóstico da situação atual não deveria desconsiderar a falência de um sistema político e também das instituições. Vivemos num tempo no qual persistem situações sociais, políticas e econômicas que, mesmo depois do término dos regimes totalitários, contribuem para transformar as pessoas em criaturas sem um lugar no mundo. Dentre tantas dificuldades diárias, somos confrontados, a cada minuto, com a tragédia da pobreza, as ameaças decorrentes da violência, dos ataques terroristas, dos fundamentalismos. É como se tudo fosse permitido e as pessoas vistas como supérfluas e descartáveis.

O grande desafio é compreender de forma profunda e coerente aquilo que vem acontecendo no nosso tempo. Não perder-se em percepções banais. Analisar os acontecimentos buscando perceber as particularidades, as controvérsias, as ambiguidades e os dilemas. Como é possível, por exemplo, “banalizar o mal” ao ponto de acreditarmos em um caminho no qual conseguimos estar em paz ao admirar a logística da violência, da força, da desqualificação e do extermínio de nossos semelhantes?

É preciso reconhecer e lembrar sempre que o pensamento totalitário permite e avaliza as atrocidades cometidas em nome de uma cultura “limpa”. Isso faz com que se perceba em nosso tempo uma clara dicotomia na sociedade. Há pessoas “de bem” e pessoas que não fazem jus a esta condição. Para quem não se enquadra, justifica-se uma versão administrativa e burocrática capaz de neutralizar o que se considera antiético ou amoral. Portanto, a igualdade parece não ser uma questão social, mas uma realidade definida mediante os critérios de quem exerce a autoridade e o poder.

A filósofa e pensadora alemã Hannah Arendt dizia que “não nascemos iguais. Tornamo-nos iguais através da organização humana na medida em que esta é norteada pelo princípio da justiça”. Igualdades e direitos não são naturalizados pelo conceito de civilização e desenvolvimento histórico. Estes estão, antes, inseridos numa “convivência coletiva baseada na pluralidade dos seres humanos que compartilham a terra com outros seres humanos”.

Infelizmente o progresso histórico não conseguiu evitar grandes tragédias humanas, sociais e ambientais. A tese iluminista de uma sociedade que pela razão alcançaria a capacidade de discernimento entre o bem e o mal e de que o desenvolvimento mais igualitário poderia ser fomentado pelas novas descobertas da ciência, não ocorreu.

O mal não é só possível, mas compartilhado e curtido diariamente num acirramento de ódio, desprezo, indiferença. Negros, pobres, homossexuais, índios, imigrantes, mulheres. Não importa o gênero, a etnia, a opção sexual, a sua localização geográfica. Os aceitamos desde que não compartilhem o mesmo espaço conosco. Ou pior: não os aceitamos, pois não devem compartilhar o mesmo espaço conosco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário