sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A TRAGÉDIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Temos testemunhado durante décadas os educadores brasileiros, dos diversos estados do país, ganhando um salário incompatível com uma vida digna. É um fato, no entanto, com o qual parece ser possível conviver. Por que escolas caindo literalmente aos pedaços, naufragando a cada chuva, numa materialização explícita da situação crônica da educação pública, é algo com o qual a maioria se acostuma? Por que o fato de os educadores serem ameaçados por alunos e às vezes por pais em salas de aula, num confronto de gente desesperada, é algo que se tolera?

Qualquer um, em qualquer classe social, em qualquer esfera de poder vai repetir que “a educação deve ser prioridade” ou que “a educação é o maior desafio para o país” ou que sem melhorar a educação o Brasil jamais será um país desenvolvido”. É um consenso, mas talvez se trate do consenso mais vazio deste Brasil atual. Uma hipocrisia sem limites. Afinal quem teria voz ou poder para mudar essa situação está pouco se lixando. Quem não lembra a declaração de um deputado antes da votação da famigerada PEC 241? Essa é a grande questão: os “meus” filhos estarem salvos, já para os filhos dos “outros” sobra pena, lamento, mas não incomodo o suficiente para fazer disso uma questão importante da vida.

Inclusão social no Brasil significa entrar no barco dos que podem se salvar. Uma boa parcela das pessoas acredita que seus filhos estão a salvo, pois, com esforço, puderam ser matriculados em escolas particulares e assim, supostamente, estão a salvo da péssima educação pública. É óbvio, ou pelo menos, deveria ser que a má qualidade da educação oferecida às pessoas em algum momento vai afetar os privilégios dos mais abastados. Mão de obra desqualificada é um problema sério no Brasil, com impacto em qualquer projeção de futuro. Então, ainda que por egoísmo ou indiferença, deveria existir uma preocupação tendo em vista as trágicas dimensões da catástrofe que se vislumbra.

A educação está longe de ser apenas algo que tenha a ver com conteúdos. Educação é um processo muito mais complexo, no qual a diversidade das experiências é fundamental. É claro que os que se habituaram a compreender diferenças com as lentes deturpadas por ideologias mesquinhas sempre terão dificuldades para entender a diversidade de experiências como uma coisa positiva. Como não lembrar que o diferente era primeiro o escravo, depois o empregado, o subalterno, alguém com quem não havia nada a aprender, já que a sua única função era servir?

Num país com a educação pública em ruínas ninguém está a salvo. Esta ilusão de estar a salvo por ocupar determinados “lugares” multiplica os absurdos. Busca-se salvaguardar apenas os próprios interesses. Os outros que se danem. Com atitudes assim fica mais claro a falência ética da sociedade brasileira. Pode humilhar um educador, pode pagá-lo mal, pode submetê-lo a condições insalubres de trabalho, por que, afinal, ele ocupa um espaço onde as coisas sempre foram assim. Azar.

Vale a pena compreender que a ampliação do acesso à educação é muito recente no Brasil. Projetava-se um salto que deveria ter sido dado, mas que ficou pela metade. Para muitos pais das camadas mais pobres, eles mesmos analfabetos ou filho de analfabetos, só o fato de conseguir matricular o filho numa escola, mesmo uma instituição de má qualidade, já foi algo sem precedentes. Ter um filho com diploma universitário, mesmo que de uma faculdade de terceira linha, foi motivo de orgulho.

Neste Brasil ainda muito impregnado pela mentalidade subserviente, tantas vezes reatualizada para continuar em vigor, ainda é difícil para muitos compreender a educação como o direito fundamental. Por isso, a dificuldade em cobrar do Estado os caminhos da cidadania. É por conta desta mentalidade, na qual a qualidade da educação vira um problema com solução individual e não uma luta pública e coletiva, que a revolta é abafada e educadores vão se convertendo em fantoches sem dignidade. Sem um lugar, sem um sentido para aquilo que buscam e fazem.

O fato de as escolas públicas sofrerem constantes depredações, ao mesmo tempo em que indicam para a violência crescente, são também, por outro lado, um sinal de que a escola falha como um lugar de acolhimento para os conflitos e na construção de um horizonte de sentido. Ainda que as causas sejam muitas e complexas, é bastante óbvio que, sem outros espaços para expressar este descontrole daquilo que não educa, resta a violência. A escola que deveria dar condições de representação, não representa. E assim o fracasso vai sendo multiplicado.

A depredação das escolas não deixa de ser uma resposta à depredação de um Estado que permite as escolas apodrecerem, dando provas de que aquele que lá está é considerado cidadão de segunda ou terceira categoria. A violência dos alunos e, às vezes, também de pais de alunos contra professores é também o sinal de que a lição dada pelo Estado foi bem compreendida: professor vale pouco, quase nada, pode ser humilhado. Enquanto alunos e educadores se violentam mutuamente, aqueles que têm a responsabilidade de mudar essa situação não são incomodados.

Vive-se o jogo entre o visível e o invisível. Os educadores são visíveis para o país, mas essa visibilidade é ilusória. Neste momento, greves de professores esvaziam salas de aula em vários estados e municípios brasileiros. E cadê a surpresa? Cadê o susto? Cadê as manchetes? Cadê a indignação? É muito menor do que o bom senso e a catástrofe educacional brasileira. É assim que caminha o Brasil... Convertido, recentemente, pelo positivismo esdrúxulo da “ordem e progresso”, que nada mais significa do que a reverência de princípios de segregação social. Um país que tem aprendido, a duras penas, a conviver com repetidos absurdos. Um país que segue pelos caminhos da perdição por confundir privilégios com direitos; justiça com equidade; democracia com autoritarismo.



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