De todos os presidentes brasileiros eleitos
pela via democrática nos últimos 90 anos, somente quatro chegaram a terminar o
seu mandato: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, FHC e Lula. Mesmo para aqueles
que conseguiram equilibrar-se diante de interesses escusos, não houve águas
tranquilas. JK precisou de um movimento de grande apelo popular para poder ser
empossado depois de ter alcançado a legitimidade nas urnas. Conviveu, no
entanto, com as agruras do golpismo encarnado pelo seu principal opositor,
Carlos Lacerda, e a sua famosa frase repetida à exaustão: “O governo é um mar
de lama”. Divulgava-se na imprensa (quanta coincidência...) que JK possuía uma
das maiores fortunas do Brasil. Algo jamais comprovado. JK foi preso e depois
exilado.
FHC fez um segundo governo recheado de
problemas. Tanto que houveram inúmeros pedidos de impeachment baseados no mesmo
argumento dos dias atuais - “estelionato eleitoral”. Todos os pedidos foram
arquivados pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. Sim,
ele mesmo. Já Lula, após o escândalo do mensalão, buscou um grande acordo com
diversos protagonistas de vários partidos para que o seu governo perdurasse e
sua popularidade fosse retomada. Poucos se lembram, mas Lula mesmo com mais de
80% de aprovação popular discursou em rede nacional para conter os ânimos da
oposição que soube aquietar-se em troca de generosas fatias em cargos do
próprio governo.
Dilma, mal teve tempo de ajeitar a faixa e
já precisou conviver com quem pedia a sua impugnação. Com um tom cada vez mais
enérgico e amparado pelos ditames do neoliberalismo, do saudosismo militar, do discurso
apocalíptico, a oposição ao seu governo foi ganhando as ruas. Logo, foi
possível perceber o respaldo dos atores financeiros e da indústria. Cada dia
com mais detalhes grotescos em um acirramento de ânimos em uma visão do caos engendrado
pela narrativa da “grande mídia”.
Estes grupos organizados em torno do atual
presidente conseguiram chegar até as pessoas sem qualquer necessidade de
mostrar alguma coerência ética. Ganharam o debate público, pela força de seus
meios e pelo poder dos interesses que agregam. O que se busca é a implantação
de um programa que envolva as privatizações, a flexibilização de direitos adquiridos
e o alinhamento estratégico com os Estados Unidos.
E assim a história vai sendo repetida.
Ingênuo é quem duvida dos infinitos interesses disfarçados ou encobertos. É
preciso recordar que por muito tempo se duvidou que os americanos tivessem alguma
relação com a chegada dos militares ao poder em 1964. Foi preciso décadas para perceber.
Muitos, inclusive, ainda hoje, insistem em alardear jargões destituídos de qualquer
embasamento histórico. Por muito tempo se desdenhou do apoio da mídia ao regime
militar brasileiro, ignorando as atrocidades cometidas. Há vasta literatura
acerca do tema. A própria Rede Globo, acredite se quiser, chegou a pedir
desculpas.
Esta suposta “legalidade” que se pretende
agora é muito semelhante ao de outros momentos históricos do país. É inegável
que o governo anterior se viu envolvido com inúmeros escândalos. Muitos de suas
maiores lideranças não souberam honrar a decência. Todavia, Temer encabeça um
governo de gente atolada na lama por todos os lados. A frágil e ilusória
justificativa de que os “maiores corruptos da história” foram destituídos do
poder é de uma ingenuidade sem precedentes. Se existe uma grande lição que pode
ser percebida neste processo é que não se trata de “limpar” o país, mas de
aviltar peripécias e extravagâncias jurídicas para alcançar o poder.
Vale mais a venda do patrimônio nacional e
a intenção de fulminar conquistas adquiridas por trabalhadores e aposentados. O
projeto que estará em evidência é o oposto daquele que foi consolidado nas
urnas. Frustra-se, mais uma vez, a esperança de uma política e de um governo
sob a égide da soberania popular, da ética e da decência. A pacificação
nacional é uma fantasia. Para os ingênuos, culpa de quem foi apeado do poder.
Para os realistas, uma trama que resguarda privilégios. Resta-nos caminhar por
caminhos muito, muito, muito difíceis. É de se
lamentar... Muito!
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