Ao primeiro contato com a expressão o
público leigo tende a aprovar a ideia sem maiores ressalvas. É evidente que
escola não tem que ter partido. Portanto, essa obviedade não é anunciada à toa.
Poderia até ser banal, mas é, na verdade, uma estratégia simpática e deliberada
para a sua difusão. Vende-se o propósito de blindar a
escola contra ‘doutrinações partidárias’, quando na realidade o alvo não é o
proselitismo partidário, mas o pensamento crítico e a experiência da
pluralidade, os alicerces da escola.
É um movimento que faz de tudo para se
apresentar como apartidário, baseado em princípios de ‘neutralidade’, mas acaba
atacando a escola como espaço para reflexão e exposição das diferentes maneiras
de compreender o mundo. Quem educa para a democracia, educa para a diferença. O
que esse projeto busca é uma monocultura. Está na mesma direção dos ideais
propostos nos planos de redução da maioridade penal, de criminalização do
aborto e de revogação do estatuto do desarmamento. Tem laços com as ondas
xenófobas que se espalham pela Europa e os Estados Unidos. Exprime uma maneira
de pensar a convivência humana.
É preciso lembrar sempre que a sociedade é
heterogênea e que heterogêneas são também suas aspirações. Nas democracias, as
divergências deveriam resolver-se no voto, em vez da força ou por manobras como
já estamos acostumados no Brasil. Os apoiadores deste tipo de ideia não se dão
conta de que propagam uma ilusão onde já não cabe mais a divergência e a
pluralidade. Esquecem que vivemos em um país marcado historicamente e de forma
indelével pela diversidade cultural, econômica, politica e religiosa.
O projeto subverte os direitos previstos na
Constituição Federal de 1988, pois confunde a educação escolar com aquela
fornecida pelos pais e, com isso, o espaço público e privado, o princípio da
laicidade do Estado, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas além de
negar ao professor um ambiente de aprendizagem de modo a possibilitar o
adequado exercício da cidadania.
É um retrocesso na luta histórica de combate
à cultura do ódio, à discriminação e ao preconceito contra mulheres, negros,
indígenas, população LGBTT, comunidades tradicionais e outros segmentos sociais
vulneráveis. Em vez de uma disciplina, está sendo criada uma ideologia que
propõe controlar os professores por intermédio da criminalização do pensamento
e esconder como se formou o nosso país: por meio de lutas, de conquistas, da
dizimação de indígenas, escravidão dos negros, etc. Trata-se de uma iniciativa
que descaracteriza a emancipação das instituições de ensino e dos docentes;
impõe a mordaça ao crescimento da consciência das novas gerações e sepulta a
continuidade de uma educação que os capacite para a vida.
O projeto tenta transformar em lei uma
compreensão absolutamente deturpada dos elementos que constituem o processo de
escolarização. Está a muito ultrapassada esta visão do aluno e professor: o
primeiro como se fosse uma folha em branco, passivo, na qual se pode imprimir o
que bem entende, e o segundo como alguém que transmite conhecimentos de forma acabada
e simplista. Dos alunos são retirados a iniciativa e o pensamento crítico: eles
seriam controlados por professores ou partidos de esquerda. A sala de aula
seria um cativeiro.
O conhecimento escolar é construído
justamente no diálogo entre educador e educando. Liberdade de ensinar e
liberdade de aprender, indissociáveis, representam os pilares do direito à
educação. Remover um deles é fazer um edifício ruir. Como formar um aluno capaz
de interpretar a sua realidade se nem se pode falar dela? O resultado da
aprovação de um projeto como este pelo país afora não será o de “escolas sem
partido”, mas sim escolas sem voz e sem sentido.
Como deve se posicionar um professor ao
falar do nazismo e do holocausto? Deve ser neutro? O que deve ensinar um
professor sobre os ciclos ditatoriais que existiram na América Latina nas
décadas de 60 e 70? Se afirmar que foram legítimas reações ao avanço do
comunismo, toma partido da direita ou apenas relata o acontecido? Se afirmar
que alguns aproveitaram para dizimar as frágeis democracias para impor suas
vontades autoritárias, estaria deturpando ideologicamente uma verdade? Se
indicar que muitos lutaram pela volta da democracia e outros pela implantação
do comunismo, toma partido da direita, da esquerda, de ambos, de nenhum, de
quem mesmo?
Os mentores deste projeto andam por
territórios que, historicamente, levaram a muita insanidade e intolerância.
Para quem não sabe (ou não lembra) na Alemanha nazista a pedagogia foi
redefinida tendo como base o livro “Mein Kampf” de Adolf Hitler. O professor
passava por treinamento especial, supervisionado por funcionários do partido
nazista e era espionado e fiscalizado em sala de aula. Alunos e pais eram
estimulados a denunciar qualquer comportamento fora das regras.
Este projeto visa criminalizar o professor
e imbecilizar a já convalescida educação brasileira. É uma verdadeira afronta
ao diálogo. Não será surpresa se amanhã ou depois um professor sair algemado da
sala de aula, por, supostamente, ter tratado de temas concernentes à
pluralidade e diversidade política, social e religiosa. Com tanta coisa
importante para discutir, com tanta ação urgente para tomar, são gastos tempos
e esforço numa questão sustentada por argumentos frágeis e muito questionáveis.
Presos na cortina de fumaça da suposta doutrinação, empobrecemos um pouco mais
o já desgastado debate acerca da educação. Ganha quem aposta na confusão e na
falta de discernimento.
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