quinta-feira, 11 de julho de 2019

Lavagem Cerebral

Fora do Brasil, poucos acreditam no que anda acontecendo por estas plagas. Tenho falado com gente que não é daqui e o sentimento é de perplexidade, consternação e até pena acerca do momento que vivemos. A imagem do povo cordial e afetuoso vai ficando de lado. Sobram questionamentos. Os brasileiros com um pouco mais de lucidez percebem que há algo de muito estranho acontecendo. Como nos tornamos o que somos?

Na Alemanha, por exemplo, foi o ódio aos judeus que encabeçou o ódio geral; no Brasil a coisa vem resvalando para o ódio às esquerdas, às lutas feministas, às universidades e aos professores, colocados sob o guarda-chuva de uma paranoia sem precedentes e qualificados como “comunistas”. Qualquer um que tenha um pouco de discernimento haverá de concordar que o fato de existirem pessoas que se guiem ética e politicamente pela utopia de um mundo sem tantas desigualdades nada tem a ver com “comunistas”. É um evidente exagero chamar de “comunista” qualquer pessoa simplesmente porque ela tenha um pensamento diferente ou por defender os direitos fundamentais. Isso tem muito a ver é com maldade ou burrice!

Não é tarefa das mais fáceis explicar o que temos vivenciado. Há uma espécie de “lavagem cerebral” em curso que justifica a violência, as catástrofes, à manipulação de crises que fazem com que as pessoas aceitem coisas que não aceitariam em sã consciência. Sejam objetos, sejam ideias estapafúrdias, tudo serve como chave que abre janelas emocionais em qualquer pessoa. A experiência da perturbação emocional nas massas é provocada. Você tem de estar muito protegido pela reflexão, o amor próprio e compreensão dos valores democráticos para não sucumbir a certos delírios.

A cultura e a educação tendem a dar algum sentido e explicação para as pessoas diante deste estado de coisas. Mas esta percepção vai sendo manipulada nos discursos estrategicamente concebidos, especialmente dentro das corporações televisivas e nas mídias sociais. A indústria cultural manipula o pavor e o êxtase, reduzindo os indivíduos a uma passibilidade diante de múltiplas desinformações. Nesse cenário, exercitar o discernimento e a lucidez parece ser uma tarefa bastante complexa.

O sociólogo e jurista português, Boaventura de Sousa Santos, um dos maiores pensadores do nosso tempo, sublinha que as guerras, catástrofes e crises, são cada vez mais necessárias ao capitalismo. A capacidade de produzir, acumular e circular valores a partir da desgraça e do infortúnio explica, em grande medida, o sucesso de um modelo que muitos acreditavam estar fadado a desaparecer a partir de suas contradições. O ato de destruir para, em seguida reconstruir, torna-se natural e, ao mesmo tempo, pode ser visto como fundamental à manutenção de uma estrutura em que até a dor e o sofrimento acabam se transformado em mercadorias.

Para compensar o caos social, produzido em razão da adoção de medidas impopulares, os detentores do poder econômico estimulam promessas e discursos que satisfazem um imaginário que projeta o retorno a um passado idealizado de segurança. A falta de limites entre política e religião, o abandono dos valores da modernidade como a “liberdade”, a “igualdade” e a “fraternidade”; os limites às garantias fundamentais em detrimento do Deus-Mercado.

Trata-se, no fundo, de um modelo de civilização no qual se imagina vender e comprar, quase tudo. Armas ao lado de bíblias, obras de religiosos “cristãos” que negam a escravidão, o holocausto, defendem a tortura e a violência ou de “intelectuais” que ainda contestam a heliografia e a teoria da relatividade. O trabalhador tornou-se, cada vez mais, dispensável. No entanto, uma das maiores mudanças deste tempo, fruto desta racionalidade que realça o ser humano como objeto sempre passível de lucro, foi transformar os sujeitos em indivíduos sem discernimento crítico mesmo com tantas informações e conhecimentos à disposição.

Há uma regressão que pode ser percebida nas interações sociais, na dificuldade de argumentação, na incapacidade de apreender e seguir normas éticas e jurídicas. Tem-se o declínio da verdade e o desaparecimento da objetividade. Os fatos, a ciência e a reflexão vão perdendo a importância. O pensamento é simplificado e a linguagem empobrecida. A capacidade de refletir acerca de sua própria condição, faz com que o indivíduo tenha possibilidades múltiplas para construir um mundo melhor em que os valores da liberdade, da igualdade e, principalmente, da fraternidade voltem a importar na sociedade.

A hipótese que sustento é bastante simples: para a manutenção daquilo que vivemos é necessário que as pessoas NÃO pensem ou então, pensem CADA VEZ MENOS. O empobrecimento da linguagem e a transformação de tudo e todos em objetos negociáveis são fenômenos que funcionam como elementos que naturalizam as injustiças. Permite que convivamos com a banalidade do mal em cada canto. Criou-se uma espécie de racionalidade que naturaliza o empobrecimento da linguagem e leva à crença de que a simplificação do pensamento é uma dádiva e não um problema. Dá a impressão que o egoísmo virou virtude e o conhecimento, bobagem.

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