terça-feira, 24 de julho de 2018

Dialogando com o Espelho

No espelho somos capazes de reconhecer, pelo menos, três inimigos. Ainda que busquemos desafiá-los, sabemos que eles sempre andam a nos espreitar. São adversários sorrateiros. Gostam de assombrar pelas trilhas das vivências cotidianas. Ouso chamá-los pelos seus nomes: fracasso, impotência e culpa. 

Fracasso é sentimento, jamais constatação. Não é preciso muitas derrotas para que alguém se sinta fracassado com os ideais que ousa defender. Trata-se de um sentimento que tem muito a ver com a incapacidade em lidar com as inadequações da jornada. Afinal, cada indivíduo, no decorrer de sua vida, vai absorvendo o discurso da perfeição como se este fosse o único caminho plausível em sua história.

As cobranças e expectativas colocadas sobre as nossas costas, fustigam. O peso dos erros vai gerando sensações negativas. As demandas religiosas, as pressões culturais, as vicissitudes do trabalho. Tudo acaba confluindo para que o indivíduo se sinta desafiando a perscrutar horizontes para além de sua capacidade em lidar com os fracassos, desafinando na melodia da vida.

Em geral, temos dificuldades com certas divisões. Somos ensinados que os erros devem ser evitados a qualquer custo. Não nos damos o direito de aprender com as desventuras. Não sabemos lidar bem com as dores e angústias que perfazem a essência de nosso ser. Não fomos escolados para perceber que não temos as respostas para tudo e de que nem sempre haveremos de encontrar as melhores realizações pelos caminhos que decidimos percorrer.

Em nossos percursos, não é coisa rara ver pessoas alimentando a ilusão. Faz bem não perder a sensibilidade para as coisas simples e lembrar que as máscaras, em algum momento, tendem a cair. Os anos correm velozes. Não somos onipotentes. Deveríamos deixar de lado esta estranha obrigatoriedade em sermos eficientes com aquilo que a vinda colocar em nosso cotidiano.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman lembra que a busca por liberdade em nossos dias vem acompanhada do medo da liberdade dos outros. A insegurança de se entregar acompanhada pelo desejo de total entrega do outro. A necessidade de tranquilidade acompanhada de uma constante expectativa em relação aos outros.

Acredito que diante de tantas questões, no fundo, não precisamos chegar primeiro ou sermos sempre vitoriosos. Para alguns a vida parece uma eterna competição. Importante é poder celebrar a própria identidade sem precisar ficar se explicando o tempo todo e sem atender aos imperativos de quem supõe a perfeição sem compreender as incompletudes do ser.

O nosso valor não depende de cumprir um roteiro que outros rabiscam em nosso lugar. Recuperar aspectos positivos de tempos passados talvez nem seja necessário, mas redefinir valores para a existência buscando colocá-los em prática, já é um bom começo para fortalecermos vínculos de gratidão, afeto e bondade pelas estradas do fracasso, da impotência e da culpa.

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