domingo, 15 de julho de 2018

BRASIL: MOSTRA A TUA CARA!

Ter como um dos candidatos presidenciais mais fortes hoje no Brasil um sujeito que não hesita em defender quem torturou e matou gente é como comparar um adorador de Hitler ou apreciador do nazismo como favorito a chanceler na Alemanha. Não se trata apenas, como alguns gostam de imaginar, de um contraponto a quem governou este país nas últimas décadas. Um hitlerista ou neonazista não seria apenas uma ofensa aos judeus. Mais do que isso, tem a ver com um completo ultraje à democracia e aos valores elementares da convivência humana.

Na Alemanha é impensável que haja qualquer candidato neonazista ou negador do Holocausto na linha de frente da sucessão majoritária. No Brasil, no entanto, o nosso principal revisionista histórico é chamado de mito e lacrador, carregado nos braços pelas multidões e considerado, especialmente pelos jovens, o novo Messias da política brasileira. Como entender que uma pessoa tão excêntrica tenha se tornado no atual cenário o “salvador da pátria”?

O Brasil é um país com dimensões continentais. Isso, sempre dificultou a formação de uma identidade nacional entre seus habitantes, somado aos séculos da colonização com sua produção de riqueza e formação social fundada no escravagismo. O Brasil só começa a formar um princípio de identidade lá pelo fim da República Velha. Alguns intelectuais ajudaram também a formular questões sobre a constituição do povo brasileiro, como Gilberto Freyre, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda.

As análises feitas por alguns destes intelectuais nos levam a crer que as características do povo brasileiro estariam ligadas com aquilo que se convencionou chamar de “homem cordial”. Um indivíduo que se impõe por meio da força e da violência, mas, que, por outro lado, é sempre envolvido por muitas paixões. Na raiz desta sua forma de ser, estaria o ideal de um Estado patrimonialista onde não se distingue os limites entre o público e o privado. Onde tudo tende a desaguar no famoso “jeitinho” brasileiro.

Na minha opinião, trata-se de uma concepção que foi sendo moldada por muitos e muitos anos. É esta forma de olhar para a realidade que acabou sendo assimilada em boa parte das universidades ou escolas, influenciando aquilo que, por exemplo, o jornalista escreve ou o juiz decide num tribunal. É essa percepção elitista que vai legitimando os interesses privados em detrimento dos interesses públicos. Ou seja, as imagens que carregamos de nós mesmos vem dos primeiros circuitos intelectuais do país. São estas percepções que haverão de consolidar a opinião pública.

Em minhas conversas cotidianas, no trabalho, na rua ou nas redes sociais, o que tenho presenciado são algumas pessoas se referindo à política e a sociedade sempre a partir de um sentido de moralidade, apelando para uma ética platônica, muito distante do mundo real. Imagino que sejam pessoas que acreditam que os problemas mais cruciais de nossa complexa sociedade podem ser resolvidos apenas com boa vontade, questões de ordem e discursos genéricos. Frases de efeito, ainda que soem bem aos ouvidos, não resolvem aquilo que vivenciamos todos os dias. Este modelo platônico que tenta vender a imagem de um ser imaculado, com autoridade e caráter, honestidade e “Deus no coração”, traz consigo, no mesmo pacote, afirmações de desprezo escancarado pelas minorias e pessoas mais vulneráveis.

Esta discussão binária e maniqueísta, quando encarada apenas de forma imediata, encontra amparo nas redes sociais e em alguns grupos midiáticos, mas não se sustenta quando levamos à reflexão sobre o tamanho do Brasil, a diversidade do nosso território, a forma como fomos nos desenvolvendo econômica e socialmente desde os tempos coloniais, como foi sendo constituído o nosso sistema político e suas respectivas rupturas e também os motivos para vivermos em uma sociedade tão desigual.

Tenho para mim que enquanto continuarmos embasados por conceitos duvidosos alinhados, em grande medida, por uma meritocracia alimentada por padrões morais e encarada como um processo ideologicamente natural, uma parcela da população que adora exemplos morais de virtudes, que nada mais são do que artifícios criados para manter privilégios para alguns, seguiremos ladeira abaixo. Muitos dos que hoje pregam uma pretensa moral, mal se dão conta de que o seu discurso também é, em grande medida, a manutenção de um status quo. No final, o que aparece mesmo é a hipocrisia. Quem rouba é sempre o outro, quem usurpa o patrimônio público é sempre o outro, quem não presta é sempre o outro.

Estarmos vivendo tempos complexos e cheios de tantas excrescências só demostra que nosso país é pródigo em suscitar maluquices. Se para alguns, um notável revisionista histórico é visto como “mito”, eu, de minha parte, prefiro olhar para o nosso tempo e lembrar o quanto evoluímos pouco em nossa humanidade. Sinto tristeza e me vai um tanto da esperança em dias melhores ao ver tanta gente querida multiplicando aquilo que deveria nos envergonhar como seres humanos, brasileiros e, na sua maioria, cristãos.

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