sexta-feira, 20 de abril de 2018

COERSÃO E CONSENSO

                                                
Convicções ou ideais podem ser modificados ao longo do tempo. Há, no entanto, questões estruturais que se consolidam de forma mais lenta. Um dos pressupostos da história é que cada indivíduo, inevitavelmente, haverá de mudar ao longo da vida. Há muitos exemplos para sublinhar esta minha afirmação.

Não tenho a lembrança do meu pai me incentivando a colocar um cinto de segurança ao entrar em algum carro quando eu era criança. Todavia, seu exemplo e sua conduta no decorrer da vida me serviram de inspiração na jornada. Não posso dizer que tudo sempre tenha sido igual, pois, hoje, as pessoas acabam utilizando o cinto de segurança sem hesitar. Outro exemplo: no passado não era comum ouvirmos acerca de casos de câncer de pele. Ficávamos expostos ao sol o dia todo sem qualquer proteção. Houve mudanças desde então: a consciência dos riscos fez com que as pessoas passassem a se cuidar mais e melhor.  

Diferentes percepções sobre um mesmo problema podem mudar conforme o tempo. Aqui no Brasil, vivemos há pouco mais de trinta anos um regime democrático. Daí o grande descrédito com a política, os políticos, as instituições públicas e, sobretudo, com a própria democracia. Há quem olhe para o presente com saudades dos tempos da ditadura. Como se no passado todas as coisas tivessem sido boas. Trata-se de uma característica humana este olhar mais saudoso. 

Nenhuma criança acorda um dia dizendo: “que maravilhoso é ser criança”. Você vai amar mais a infância no momento em que a vida adulta tiver te encontrado. Por isso, quando dizemos que no passado, entre outras coisas, não havia assaltos, este também poderia ser um argumento que valeria para descrever o período no qual os índios dominavam estas terras. O caso é que ali não havia propriedade privada, logo não poderiam existir casos de assaltos aos bens de uma pessoa. Numa perspectiva mais extrema, alguns até poderiam dizer que antes da imigração não havia assaltos por que aqui sequer havia pessoas. Trata-se, pois, de idealizar um período a partir de gostos pessoais.

O mundo em que vivemos é um mundo conturbado. Trata-se de uma realidade que preocupa e incomoda. Para mim, a solução para a maior parte dos problemas que vivenciamos na atualidade tem muito a ver com duas questões elementares: a coersão e o consenso. A coersão pode ser alcançada por meio das leis. Exemplo para isso é a tipificação de crimes como de racismo, homofobia, violência contra mulheres e crianças. A segunda estratégia, a do consenso, só pode ser alcançada por meio da educação. Ela deveria ser superior, mas, infelizmente, não é o que acontece. 

É preciso que as pessoas entendam que a escola é um espaço de discussão e ampliação dos horizontes. Não é lugar para vigiar, censurar ou perseguir. Ela é, por excelência, espaço de formação através do diálogo e da partilha. O problema é que a escola nos dias atuais necessita concorrer com múltiplos valores. Ao chegar à escola a criança e o adolescente já tiveram acesso a uma infinidade de informações. Portanto, a construção do consenso através do processo de formação é uma tarefa desafiadora e complexa. 

O risco é que possamos estar aumentando o consenso da violência como eliminadora das divergências. Isso se revela quando, por exemplo, a pessoa defende que todos deveriam andar armados. É como se buscássemos reviver os ideais da idade média como descritos por Thomas Hobbes numa espécie de luta de todos contra todos. O ódio não é igual em todos os lugares, mas continua sendo um dos maiores desafios para a convivência humana.

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