sexta-feira, 13 de abril de 2018

A Arte da Mentira


Vivemos em um tempo que alguns ousaram definir como a era da pós-verdade. Na minha modesta opinião, melhor seria qualificar este período como a era do engano ou da mentira mesmo. Trata-se de um neologismo sublinhado pelas teorias narcisistas freudianas. O resultado é que os fatos objetivos acabam, paulatinamente, perdendo espaço para moldar a opinião pública. Valem mais os apelos à emoção e as crenças.
 
O francês Jean-François Lyotard referiu em seu livro, condição pós-moderna, publicado em 1979, que no mundo “não há fatos, apenas interpretações”. Mais tarde, o norte americano Richard Rorty supôs que a “a verdade representava simplesmente aquilo que se revela útil enquanto objeto de crença”. Para eles, a verdade humana mais profunda era a emocional, subjetiva, capaz de prescindir dos fatos. 

É uma visão que tem maior valor quando estão em jogo preferências amorosas, sexuais, artísticas, esportivas ou até alimentares. Quando aplicada à política, à ciência ou ao jornalismo, seria pura lorota. No mundo virtual a emoção recuperou o seu lugar de destaque e a verdade foi ficando cada vez mais capenga. As redes sociais forneceram um canal a todo tipo de fato alternativo. Clicamos e compartilhamos sem checar, apenas por que gostamos ou achamos legal.
 
A tecnologia permite, nos dias atuais, que se manipule qualquer documento ou imagem. Não é coisa rara a desqualificação de quem busca reagir de forma dialogal, baseando-se em dados factíveis. O que o outro diz, ainda que seja respaldado por informações e parâmetros bem embasados, pode ter pouco valor. Em certos casos, manchetes sensacionalistas, mesmo sem credibilidade, são multiplicadas à exaustão. Chegamos a um paradoxo no qual as pessoas tendem a não acreditar em quase nada, mas, ao mesmo tempo, são capazes de difundir qualquer coisa. 

A mentira requer formas estratégicas para se sustentar. Existem técnicas muito eficazes nos dias atuais. Uma delas é a insinuação. Não é preciso dados ou comprovações, basta imaginar que determinado fato possa existir. Na insinuação, as palavras e as imagens sublinham algum aspecto em particular, mas, as conclusões, inevitavelmente, vão muito além. A pessoa vai deduzindo ou subentendendo aquilo que achar conveniente. 

Pode existir também uma inversão de valores. Pessoas defendendo o que não é importante. Faz-se disso uma bandeira para atacar adversários. Os costumes, a religião, o caráter. Mesmo sendo algo subjetivo, pode ser explorado como objetivo, e, portanto, relevante. Muitos não toleram qualquer ideia que não esteja plenamente sintonizada com a sua própria visão de mundo. Não é raro ver gente que é capaz de linchar quem, a seu ver, atenta contra o que eles consideram verdadeiro. 

Nesse processo, as pessoas vão se dando conta de que é arriscado sustentar certas opiniões, e podem até desistir de defendê-las, para maior glória da pós-verdade, da pós-mentira e da pós-censura. Assim, o círculo da manipulação fica cada vez mais fechado. O que mobiliza raivas e ódios, não é apenas algum mecanismo acionado por uma percepção diferente de mundo. É a expressão acerca de uma distorção. 

O mundo virtual abriu as portas para manifestações alicerçadas na covardia. É gente que faz do ódio seu alimento e que não hesita em descarregar, sempre que possível, suas próprias frustrações. O que vemos é um alarido autoritário, agressão gratuita e a negação daquilo que deveria estar na base da convivência humana. 

O que me preocupa é que talvez estejamos vivendo apenas uma antecipação de momentos ainda mais tensos e até violentos no futuro. No fundo, vamos revelando apenas o quanto nossas relações sociais e humanas são frágeis. E, de igual maneira, o quanto temos dificuldades para edificar uma sociedade que divirja acerca de preceitos republicanos e, pretensamente, democráticos.

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