sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O VENTO SERÁ TUA HERANÇA

Quase cem anos atrás, o professor de biologia do Tennessee nos Estados Unidos, John Thomas Scopes, foi processado pelo estado por discorrer acerca do darwinismo em sala de aula. Era crime naquele estado. O caso tornou-se conhecido como o julgamento do Macaco (“Monkey Trial”). Dois dos mais importantes advogados norte-americanos trabalharam no processo. Um liberal iluminista, defendendo. Outro fundamentalista bíblico, acusando. O caso durou 11 dias e foi o primeiro a ser transmitido para o país inteiro pelo rádio. O episódio, mais tarde, foi retratado no filme - O Vento Será Tua Herança - inspirado na frase bíblica do Livro de Provérbios capítulo 11, versículo 29: “Aquele que perturba sua casa herdará apenas o vento”.


Quem perturba a sociedade por meio da intolerância, da fé cega, do fanatismo ou do ódio, haverá de receber apenas o vento como herança. O filme sublinha o poder da razão contra o obscurantismo alienante. Dos que não aceitam uma sociedade mediada pelo diálogo, pela compreensão, pela ética do cuidado em amor. De quem não se importa com o pensar, reivindicar e exercer a autonomia. Em última análise, trata-se de uma angustiante batalha de quem vive convencido de que o outro não é o seu companheiro de jornada, mas um inimigo que necessita ser combatido.


É inegável estarmos vivendo um período complicado em nosso país. Não apenas pelas ultrajantes peripécias políticas, mas, sobretudo, pelo obscurantismo que vai se irradiando no dia a dia. Há tanta intolerância e ódio sendo repercutido em palavras e atitudes. A criminalização da diferença, outrora, uma das marcas do fascismo, agora ecoa sem atalhos e nem melindres. Indivíduos e autoridades se sentem autorizadas a desgraçar quem não é espelho de suas mentes fechadas. Um dia, talvez, possam compreender que aquilo que atacam com tanta agressividade é, no fundo, a liberdade que lhes permite ser o que quiserem.


Milhões, como que encantados, apoiam políticos misóginos, comediantes homofóbicos, religiosos fundamentalistas e celebridades que gostam de rasgar o verbo. Estamos desistindo de buscar o bem comum e o entendimento e sendo conduzidos por imbecis que apenas propagam a tirania. O mais assustador é ver e ouvir gente atolada na servidão exaltando quem lhes maltrata. Presos na cortina de fumaça são gastos tempo e esforço para contestar exposições em museus, difamar professores, ridicularizar artistas. De forma leviana e hipócrita, faz-se de conta que a fome, a violência e a sanha insana do capital impondo seus caprichos, são questões menores.


Costumo dizer que a história tende a se repetir. O problema é que as pessoas insistem em não aprender com as desventuras da jornada e, por isso, acabam percorrendo caminhos que levam a lugares sombrios. Não é um acaso o que estejamos vivendo agora no Brasil. As redes sociais viabilizaram infinitas descobertas, mas, por outro lado, também organizaram a ignorância que andava dispersa. Cada indivíduo virou especialista em qualquer tema. Em nome de uma pretensa liberdade de expressão, ofender ou caluniar, virou coisa corriqueira, trivial. Há uma generalizada incapacidade de colocar-se no lugar do outro e entender que ele ou ela merecem a mesma dignidade que sonhamos para a nossa jornada.


O sociólogo esloveno Slavoj Zizek cunhou o termo “pós-humano” para as pessoas que sofrem com a informação distorcida, a manipulação e imbecilização publicitária. Em um país devastado pela tirania, há gente que, em nome da fé, por exemplo, é capaz de abraçar o demônio com um discursinho infame e oportunista propagando uma suposta “moralidade”. Por isso, resistência em nossos dias é ser sujeito da própria história, mesmo com tanta balbúrdia. Não tenho dúvidas de que quem muito ataca, critica e ofende, um dia, haverá de receber apenas o vento como herança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário