Quase cem anos atrás, o professor de biologia
do Tennessee nos Estados Unidos, John Thomas Scopes, foi processado pelo estado
por discorrer acerca do darwinismo em sala de aula. Era crime naquele estado. O
caso tornou-se conhecido como o julgamento do Macaco (“Monkey Trial”). Dois dos
mais importantes advogados norte-americanos trabalharam no processo. Um liberal
iluminista, defendendo. Outro fundamentalista bíblico, acusando. O caso durou
11 dias e foi o primeiro a ser transmitido para o país inteiro pelo rádio. O
episódio, mais tarde, foi retratado no filme - O Vento Será Tua Herança - inspirado
na frase bíblica do Livro de Provérbios capítulo 11, versículo 29: “Aquele que
perturba sua casa herdará apenas o vento”.
Quem perturba a sociedade por meio da
intolerância, da fé cega, do fanatismo ou do ódio, haverá de receber apenas o
vento como herança. O filme sublinha o poder da razão contra o obscurantismo
alienante. Dos que não aceitam uma sociedade mediada pelo diálogo, pela
compreensão, pela ética do cuidado em amor. De quem não se importa com o pensar,
reivindicar e exercer a autonomia. Em última análise, trata-se de uma
angustiante batalha de quem vive convencido de que o outro não é o seu
companheiro de jornada, mas um inimigo que necessita ser combatido.
É inegável estarmos vivendo um período
complicado em nosso país. Não apenas pelas ultrajantes peripécias políticas,
mas, sobretudo, pelo obscurantismo que vai se irradiando no dia a dia. Há tanta
intolerância e ódio sendo repercutido em palavras e atitudes. A criminalização
da diferença, outrora, uma das marcas do fascismo, agora ecoa sem atalhos e nem
melindres. Indivíduos e autoridades se sentem autorizadas a desgraçar quem não
é espelho de suas mentes fechadas. Um dia, talvez, possam compreender que
aquilo que atacam com tanta agressividade é, no fundo, a liberdade que lhes
permite ser o que quiserem.
Milhões, como que encantados, apoiam
políticos misóginos, comediantes homofóbicos, religiosos fundamentalistas e
celebridades que gostam de rasgar o verbo. Estamos desistindo de buscar o bem
comum e o entendimento e sendo conduzidos por imbecis que apenas propagam a
tirania. O mais assustador é ver e ouvir gente atolada na servidão exaltando
quem lhes maltrata. Presos na cortina de fumaça são gastos tempo e esforço para
contestar exposições em museus, difamar professores, ridicularizar artistas. De
forma leviana e hipócrita, faz-se de conta que a fome, a violência e a sanha
insana do capital impondo seus caprichos, são questões menores.
Costumo dizer que a história tende a se
repetir. O problema é que as pessoas insistem em não aprender com as
desventuras da jornada e, por isso, acabam percorrendo caminhos que levam a
lugares sombrios. Não é um acaso o que estejamos vivendo agora no Brasil. As
redes sociais viabilizaram infinitas descobertas, mas, por outro lado, também
organizaram a ignorância que andava dispersa. Cada indivíduo virou especialista
em qualquer tema. Em nome de uma pretensa liberdade de expressão, ofender ou
caluniar, virou coisa corriqueira, trivial. Há uma generalizada incapacidade de
colocar-se no lugar do outro e entender que ele ou ela merecem a mesma
dignidade que sonhamos para a nossa jornada.
O sociólogo esloveno Slavoj Zizek cunhou o
termo “pós-humano” para as pessoas que sofrem com a informação distorcida, a
manipulação e imbecilização publicitária. Em um país devastado pela tirania, há
gente que, em nome da fé, por exemplo, é capaz de abraçar o demônio com um
discursinho infame e oportunista propagando uma suposta “moralidade”. Por isso,
resistência em nossos dias é ser sujeito da própria história, mesmo com tanta
balbúrdia. Não tenho dúvidas de que quem muito ataca, critica e ofende, um dia,
haverá de receber apenas o vento como herança.
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