A
história humana pode ser contada pelo modo como cada sociedade, em diferentes
períodos históricos, olhou para a morte e lidou com ela. Tempos atrás tive o
privilégio de ler um dos trabalhos mais completos acerca do assunto. Trata-se
da obra do historiador francês Philippe Ariès, o homem diante da morte. Na
análise, o historiador mostra como, a partir do século 20, a morte passou a ser
escondida e calada. Não mais um evento público, mas uma espécie de acontecimento
sem um lugar definido.
A
sociedade tecnicista fez com que a morte fosse ocultada nos recintos hospitalares.
Era preciso morrer sem muitas pessoas por perto e, de preferência,
transformá-la e um evento momentâneo para ser esquecido ou superado de forma
rápida. É por conta desta mentalidade que é possível explicar por que, até
hoje, alguém que perde quem ama, acaba tendo, legalmente, um tempo muito curto
para se ausentar do trabalho e começar a elaborar o seu luto. Quando as pessoas
desejam que a ciência prolongue a vida a qualquer preço e a juventude parece
ser um valor primordial, a morte vira um estorvo.
Não
é novidade que o fim da vida seja um tema controverso e bastante ignorado. A lógica
que mapeia este pensamento é a de que ao não tratarmos do assunto, talvez não tenhamos
a necessidade de encontrar meios para superá-lo. O melhor, o mais fácil, parece
ser fingir que a morte nunca haverá de nos encontrar. “A morte no hospital,
eriçado de tubos, está prestes a se tornar hoje uma imagem simplória”, escreve
Philippe Ariès. Ninguém quer falar sobre o que está acontecendo com o doente,
nem ele próprio. Os familiares sofrem e, na maioria das vezes, não sabem o que
fazer, mas, fingem que tudo esteja bem.
De minha parte, gostaria que houvesse um
olhar mais profundo e alentador sobre a finitude humana. Talvez isso somente
aconteça quando houver mais disposição para ouvir. Quando novas narrativas acerca
do envelhecimento, das doenças e do derradeiro caminho fizerem parte do
cotidiano. Mais importante do que prolongar a vida a qualquer preço, e em geral,
o preço pode ser bem alto, trata-se de garantir a dignidade da vida nos dias
que nos são concedidos. Mesmo com tratamentos dolorosos e invasivos, que haja
meios para estarmos cercados por quem estimamos, reafirmando o valor daquilo
que até nas dificuldades, é capaz de ser especial.
Ao
calarmos o que está em nosso coração perdemos a oportunidade para compreender o
que faz a vida valer a pena. Em tempos onde a jornada é marcada pelo ativismo
inconsequente, pode ser que ao percebermos que temos tempo, haveremos de descobrir
que nosso tempo possa ter acabado. É preciso sensibilidade e perspicácia para multiplicar
a extensão dos nossos dias. Há muitas maneiras de encarar a finitude, mas
poucos são os que estão dispostos a estender a mão, ouvir e abraçar. Como já
dizia Fernando Pessoa – o valor das coisas não está no tempo que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
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