Eis uma palavra que temos ouvido bastante nos
últimos tempos. Como conceito, a meritocracia tem sido usada, por um
lado, para avalizar, no campo sociológico e ético, o neoliberalismo enquanto
solução estrutural para o país; por outro lado, ela surge, reiteradamente, como
argumento contra políticas públicas que almejem reduzir qualquer forma de
desigualdade social. O discurso da meritocracia tira a responsabilidade
das mãos do Estado e coloca nas costas do indivíduo a omissão ou a falta de
condições para uma vida digna. A meritocracia naturaliza a pobreza, encara com
normalidade que tenhamos desigualdades e faz do trabalho e do esforço uma
competição.
Se for verdade que o mercado premia o mérito,
então cada um é obrigado a defender que um Neymar, um Luciano Huck ou Roberto
Carlos têm mais méritos do que um professor ao ensinar, por exemplo, as
primeiras letras a uma criança. Na verdade, a meritocracia não é um principio condicionado
apenas pela lógica de mercado, mas, também, é um modelo de convivência. O
mercado, em si, não premia o mérito, mas os valores que circundam um
determinado indivíduo. É por isso que um professor ou uma professora são menos
premiados do que um Neymar. As celebridades tem um alcance muito maior e são capazes
de agregar mais valor de acordo com as prerrogativas presentes na sociedade de
consumo.
Meritocracia poderia até ser uma palavra
bonita, mas, na verdade, remete a uma coisa bonita. Numa comparação imaginária
entre a utilidade e a excelência de um professor e um astro do futebol, todos
haverão de concordar que a tarefa de educar, sempre será mais meritória,
mas, ao mesmo tempo, também haveremos de reconhecer que o salário, o status e
as condições são muito diferentes. Por isso, ainda que concordemos que um
educador exerça uma tarefa mais meritória do que um astro da TV ou do
futebol, precisamos compreender que a geração de valor destas
pessoas, pelo menos no sentido financeiro, é superior à do professor em virtude
daquilo que é determinante no mundo atual.
Numa sociedade como a nossa, da noite para o
dia, um produto ou serviço pode adquirir um enorme valor mediante a propaganda ou
a manipulação da opinião pública. Não é raro termos a percepção de que tanto a
qualidade como a necessidade de alguma coisa tem muito a ver com as
conveniências. Ao mudar-se a percepção do que seja a qualidade de um produto ou
serviço, muda-se também o seu valor. A melhor explicação que é possível dar à
meritocracia, dentro desse contexto, é a noção de valor. Ser digno de alguma
recompensa por equivalência de valor entre a pessoa e um produto.
Para além do senso comum, deveríamos entender
que a meritocracia tem muito a ver com os processos de reforço e
manutenção de uma determinada ordem de valores. Para muitos, esta ordem é
imposta pelo mercado pensando nas necessidades das pessoas. No entanto, através
deste ideal, ignora-se o poder que o mercado tem, por meio da publicidade, da
propaganda, das artes. Esquecemos que o mercado fomenta estratégias para
definir prioridades e induzir escolhas. Poucos percebem que ao premiar o mérito,
enquanto valor, não se observa que existem processos pelos quais definimos aquilo
que é importante. Ouso afirmar que a meritocracia sempre haverá de funcionar
para quem conseguir impor a sua opinião ou para quem for capaz de alterar a
ordem de valores a seu favor. Não há como igualar as pessoas que não tiveram as
mesmas oportunidades.
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