sexta-feira, 19 de maio de 2017

MERITOCRACIA


Eis uma palavra que temos ouvido bastante nos últimos tempos. Como conceito, a meritocracia tem sido usada, por um lado, para avalizar, no campo sociológico e ético, o neoliberalismo enquanto solução estrutural para o país; por outro lado, ela surge, reiteradamente, como argumento contra políticas públicas que almejem reduzir qualquer forma de desigualdade social. O discurso da meritocracia tira a responsabilidade das mãos do Estado e coloca nas costas do indivíduo a omissão ou a falta de condições para uma vida digna. A meritocracia naturaliza a pobreza, encara com normalidade que tenhamos desigualdades e faz do trabalho e do esforço uma competição.  

Se for verdade que o mercado premia o mérito, então cada um é obrigado a defender que um Neymar, um Luciano Huck ou Roberto Carlos têm mais méritos do que um professor ao ensinar, por exemplo, as primeiras letras a uma criança. Na verdade, a meritocracia não é um principio condicionado apenas pela lógica de mercado, mas, também, é um modelo de convivência. O mercado, em si, não premia o mérito, mas os valores que circundam um determinado indivíduo. É por isso que um professor ou uma professora são menos premiados do que um Neymar. As celebridades tem um alcance muito maior e são capazes de agregar mais valor de acordo com as prerrogativas presentes na sociedade de consumo.

Meritocracia poderia até ser uma palavra bonita, mas, na verdade, remete a uma coisa bonita. Numa comparação imaginária entre a utilidade e a excelência de um professor e um astro do futebol, todos haverão de concordar que a tarefa de educar, sempre será mais meritória, mas, ao mesmo tempo, também haveremos de reconhecer que o salário, o status e as condições são muito diferentes. Por isso, ainda que concordemos que um educador exerça uma tarefa mais meritória do que um astro da TV ou do futebol, precisamos compreender que a geração de valor destas pessoas, pelo menos no sentido financeiro, é superior à do professor em virtude daquilo que é determinante no mundo atual.

Numa sociedade como a nossa, da noite para o dia, um produto ou serviço pode adquirir um enorme valor mediante a propaganda ou a manipulação da opinião pública. Não é raro termos a percepção de que tanto a qualidade como a necessidade de alguma coisa tem muito a ver com as conveniências. Ao mudar-se a percepção do que seja a qualidade de um produto ou serviço, muda-se também o seu valor. A melhor explicação que é possível dar à meritocracia, dentro desse contexto, é a noção de valor. Ser digno de alguma recompensa por equivalência de valor entre a pessoa e um produto.

Para além do senso comum, deveríamos entender que a meritocracia tem muito a ver com os processos de reforço e manutenção de uma determinada ordem de valores. Para muitos, esta ordem é imposta pelo mercado pensando nas necessidades das pessoas. No entanto, através deste ideal, ignora-se o poder que o mercado tem, por meio da publicidade, da propaganda, das artes. Esquecemos que o mercado fomenta estratégias para definir prioridades e induzir escolhas. Poucos percebem que ao premiar o mérito, enquanto valor, não se observa que existem processos pelos quais definimos aquilo que é importante. Ouso afirmar que a meritocracia sempre haverá de funcionar para quem conseguir impor a sua opinião ou para quem for capaz de alterar a ordem de valores a seu favor. Não há como igualar as pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades.

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