sexta-feira, 11 de novembro de 2016

RESQUÍCIOS




Tenho me esforçado para não deixar a vida encalhar no pântano do cinismo. Quero que meu riso seja espontâneo, minhas lágrimas honestas e minha alegria não fingida.


Contemplo a vida e reconheço-a cheia de ambiguidades. Trama recheada de sofrimentos. Árdua tarefa permeada de encantos e desencantos. Angústias e contingências amargas.


Vivo o esforço de armazenar em algum quadrante da alma, momentos e pessoas insubstituíveis. Colorir fotografias amareladas. Colecionar saudades.


Desejo anular o fluir impiedoso da ampulheta que retrata o tempo fugaz. O passado com seus estranhos lampejos. O presente que se dilui em segundos. O futuro sempre incerto.


Desvendo a própria humanidade sem indiferença ou arrogância. Diante das circunstâncias, não quero ser absorvido pela necessidade de mostrar coragem e heroísmo insanos.


Reconheço a inutilidade do status e do reconhecimento. Afasto-me das desilusões. Jamais esqueço que a morte haverá de chegar para grandes e pequenos sem levar em conta projetos, poder, glória ou riqueza.


Mantenho os traços de minha coragem diante do despropósito de almejar bandeiras messiânicas. Descubro que a vida é frágil. Percebo que não se pode ganhar o mundo deixando a alma pelo caminho.


Lembro que toda a firmeza pode ser instável e que nenhuma escolha oferece garantia de um porvir inabalável. Sei que decisões se multiplicam num emaranhado de consequências imprevisíveis.


Percebo que nenhum credo, religião ou ideologia é capaz de garantir uma existência sem percalços. Que o maior desafio da existência sempre será fugir da tentação de evitar riscos.


Aprendi que o mais importante nesta vida são os afetos, o carinho, a lealdade e o sorriso franco. Que o que é único pode durar o tempo necessário para ser inesquecível. Que o coração tem razões que a razão desconhece.


Intuo que a saudade é o preço que se paga por viver momentos especiais. Ela existe não por que estamos longe, mas por que, em algum momento, já estivemos perto.


Desconfio que não sejam as coisas bonitas que mais marcam a nossa vida, mas sim as pessoas que tem o dom de jamais serem esquecidas. E que chorar é dizer em lágrimas tudo aquilo que o coração não é capaz de transformar em palavras.


Constato que caminho, inexoravelmente, em direção ao crepúsculo da existência. Por isso, acalento o desejo de fazer desta vida um percurso que não seja encadeado tão somente pela banalidade, superficialidade e pequenez.


Busco negar as futilidades que fazem a vida entorpecer. Não desperdiçar um segundo que seja para correr em busca de aceitação. Reaprender a chorar diante da tragédia humana capaz de renegar a história de encontros e afagos.


Batalho para que o ativismo não tenha a última palavra. Esforço-me em ouvir o coração. Acolher os afetos. Acordar para o próximo. Abraçar.

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