O fascismo vem se
multiplicando de forma exponencial, sobretudo, nas redes sociais.
Transformou-se em algo quase trivial. Assumiu novas roupagens para dissimular
velhas posturas. Sempre se apresenta como homem de bem, representante da moral,
dos bons costumes e dos verdadeiros valores cristãos e familiares. Prega ideias
simples que seduzem aqueles que costumam aderir ao senso comum. Violência se
combate com mais violência. Bandido bom é bandido morto. Julgamentos nada mais
são do que perda de tempo. Melhor mesmo é o olho por olho, dente por dente. Afinal,
se a lei não é capaz de coibir a desfaçatez da corrupção, da malandragem e dos
crimes, por qual motivo pessoas “de bem” deveriam supor respeito aos princípios
normativos e constitucionais?
Esta exacerbada negação do
outro, na verdade, pode ser um caminho para conquistar um lugar ao sol. Em
tempos onde os princípios e as competências jurisdicionais encontram-se desfigurados,
o fascista é aquele que ousa consolidar e definir “verdades” através de uma
lógica particular. Não há um compromisso com enunciados históricos e nem com os
horrores que a humanidade já viveu. Preconceitos raciais, sexuais, de
gênero, classe, no nível cotidiano, concreto ou virtual, são vistos como ideologias
fantasiosas. Não são raras as explosões de ódio que causam espanto a quem olha
o mundo e a sociedade em termos minimamente democráticos.
Guardados na intimidade,
preconceitos são sementes do fascismo em potencial. A prova de que proliferam
no cotidiano é esta desmensurada inépcia para o diálogo. A dificuldade com a
opinião contrária. A desqualificação pessoal e moral. As ilações. As expressões
verbais intempestivas. O gestual e as atitudes violentas. Humilho, logo existo!
É uma espécie de teoria do cotidiano que planifica atitudes, pretensamente éticas,
mas muito distantes da equidade, da paz, do entendimento e da justiça. A
gritaria, o xingamento e a falta de respeito não se expressam apenas em
palavras e frases aleatórias, mas em notícias e discursos dos mais diversos.
Em termos simples, é
preciso compreender que há uma vantagem pessoal no ato de negar o outro e de
expressar essa negação com palavras e atitudes. Incapaz de supor a existência
da “alteridade”, o fascista persegue um modo de ser. A sua ação é resultado
desta profunda miséria subjetiva de nossa época. O fascista é um atributo para
quem vive o vazio do pensamento, dos afetos e das próprias ações. Ele imagina
ser “alguém” por meio da transformação do outro em “ninguém”. A humilhação
produzida talvez esconda a humilhação vivida.
A infâmia verbal é fácil e
está disponível em qualquer lugar, mas de forma mais efetiva, nas redes
sociais. O discurso preconceituoso permite hoje em dia, além de tudo,
conquistar fãs, dirigir mentalidades, determinar comportamentos. O fascista é
também uma espécie de portador de uma realidade que, em vez de pregar o amor,
vende, sem meias palavras, o ódio. Concretiza uma inversão de paradigmas. Ao
contrário da vergonha – que seria inevitável caso pudesse perceber a si mesmo naquilo
que defende – ele se orgulha do que diz.
Da arrogância em ser “bem
macho” passando pela noção de que minorias anseiam por “privilégios” até uma
perspectiva de “fazer-se de vítima enquanto é algoz”. Trata-se da mesma lógica.
Impotente para a compreensão do outro, para perguntar, para mudar de ideia, para
entender os percursos da história do mundo, resta sentir-se sempre cheio de
razão. O fascista é detentor de todas as verdades possíveis. Nada do que se
diga, mostre ou indique será capaz de mudar a sua maneira de ver o mundo. É uma
espécie de “cegueira” não apenas relativa ao saber sobre as coisas, mas
relativa ao outro que sempre serve de espelho negativo.
O fascista não gosta dos
“formalismos” da lei. Prefere os atalhos e não se constrange em atropelar as
regras que norteiam a convivência humana. Sonha com a volta de regimes
totalitários. Aspira que os poderes coercitivos “baixem o porrete”. Acha um
desperdício gastar dinheiro com quem legisla. Para que congresso nacional? Para
que eleições? Para que manifestações ou movimentos que questionem atitudes do
executivo? O fascista detesta a tal liberdade de expressão. Para ele,
neutralidade jornalística acontece quando a opinião do jornalista coincide com
a sua. Isento é quem defende o seu lado.
O fascista retrata um
mundo sem que nele existam situações que mostrem a vida na sua diversidade. Não
há espaço para um imaginário para além de algumas frágeis “verdades”. O fascista
padroniza, uniformiza e elimina as diferenças. A principal característica deste
modo de ver o mundo é a naturalização conformista da cultura: “sempre foi
assim, assim é que dever ser, é assim desde que o mundo é mundo”. Quem pensa diferente ou é doente ou precisa “ser colocado no
seu devido lugar”. O problema do fascismo é que vivemos em uma sociedade
complexa, multicultural, aberta, baseada num suposto equilíbrio das diferenças.
Uma das maiores tristezas é constatar que o fascismo odeia o diálogo, subverte
a noção de mundo e aniquila a pluralidade.
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