Não
deixa de ser inusitado o interesse que as pessoas, em geral, têm pelas razões e
sentidos da sobrevivência cotidiana. Com frequência, nos reunimos com amigos,
colegas de trabalho, familiares ou com aqueles e aquelas que fazem parte da
nossa jornada pessoal, para repercutir conquistas, socializar alegrias,
amenizar dores ou fracassos.
Frente
às inconstâncias e ambiguidades da existência, por vezes, parecemo-nos com
pequenos guerreiros de pés descalços que dissimulam seus pesares com astúcia
e propagam a resignação ou indiferença nas intempéries da vida. É verdade
que compartilhamos frases de apoio, mas, no fundo, tentamos a compreensão mútua
mais pelos interstícios dos silêncios do que pelos meandros do abraço, do
carinho e da lágrima partilhada. No mais profundo do nosso ser, continuam
habitando inimigos invisíveis. As aflições, a dor, o infortúnio, as
desventuras.
Para
sobreviver é preciso aceitar alguns tormentos e entender os vazios.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman referiu que muitos de nós vivemos
numa espécie de “sociedade líquida” onde se valoriza mais o prazer
imediato, a ambições narcísicas, as relações descartáveis. Nada parece durar
muito tempo. A sociedade contemporânea engendrou o efêmero, o superficial.
É
como se os indivíduos idealizassem apenas o lado bom das coisas, mas no momento
em que algo se complica ou apresenta um nível mais profundo de
dificuldade, as relações sociais ficam deterioradas. A solidariedade agoniza. A
fraternidade se debilita. A reciprocidade cai por terra. A dor e o fracasso,
poucas vezes, são compreendidos. A fuga é o atalho mais especulado pela
maioria.
Quando
fugimos ou calamos diante daquilo que escapa ao nosso controle pragmático,
perdemos uma oportunidade insubstituível para refletir sobre a vida, seus
valores, verdades, e, em especial, sobre o tempo que nos é presenteado aqui
neste mundo. A covardia ou a racionalidade inócua não tem permitido
relações sublinhadas pelo cuidado, a atenção e o carinho. Arrisco dizer que,
por conta desta situação, talvez nunca consigamos multiplicar as mais preciosas
e inspiradoras referências para a realização de uma vida plena.
Homens
e mulheres necessitam de espaços e oportunidades para repercutir aquilo que
trazem no seu mais profundo ser. Carecemos de um ouvido aberto. De uma palavra
compreensiva. De uma mão estendida. Um sorriso. Um abraço. É preciso
experimentar a cumplicidade “sem sombras” ou subterfúgios. Sem dilemas, tramas
e traumas de um tempo passado. Subjugar vaidades. Lapidar a compaixão.
Evitar
estar ou parecer solitário talvez seja uma das maiores pretensões das pessoas
ao nosso redor nos dias atuais. Na Coréia do Sul, por exemplo, atores são pagos
para comer em frente a webcam de modo a proporcionar aos assinantes do serviço
a sensação de ter companhia durante as refeições. Chama-se “mukbang” – ou
“comer e transmitir”. Há quem pague R$ 49,90 por uma semana do serviço de uma
empresa brasileira que forja namoros virtuais. E existem os que ligam a
televisão ou o computador para “abafar” os próprios pensamentos.
Em
tempos onde quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas
desdenha daquilo que, supostamente, não lhe diz respeito, poucos são capazes de
perceber nossas descrenças, indecisões, suspeitas. Na lembrança de uma frase,
de um olhar, de um gesto, do encontro que o tempo levou, podemos recriar um
universo de novas expectativas e oportunidades.
É preciso reconhecer-se no
turbilhão dos próprios desalentos para não ser engolido pelas reminiscências
mais espinhosas. Aprender a conviver com a saudade. Superar equívocos ou
desatinos. Tratar as feridas abertas advindas dos percursos da jornada. Saciar
sedes. Celebrar os caminhos da partilha e do diálogo. Conviver e abraçar. Compreender o outro significa arriscar-se ao outro.
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