A
realidade da vida pode ser perversa. O futuro a desafiar nossas inconstâncias e
o passado a reivindicar lembranças de um período distante dos olhos, mas perto
do coração. Poucos haverão de conseguir dominar as variáveis da existência
humana que se desenrola entre dores e anseios com perspicácia e desenvoltura.
Os acontecimentos, sejam eles agradáveis ou lúgubres, não estão condicionados a
uma engrenagem que julgamos justa e precisa.
A
noção aristotélica tomista de que a vida acontece num encadeamento de causas
que produzem efeitos numa sucessão infinita, pode não passar de um fatalismo
circunstancial. Nossa existência não se arrasta em simetrias. Talvez por isso,
parecemos desorientados ao não conseguir controlar os dilemas gerados pela
própria história. A vida se dá com um grau de liberdade que possibilita,
inclusive, decisões equivocadas. Alegrias e frustrações ocorrem nos espaços da
imprevisibilidade.
Viver
não consiste tão somente no esforço pragmático em controlar as contingências da
jornada. Somos desafiados a encontrar sentido a despeito daquilo que foge de
nossa vã capacidade de persuasão. Somos marcados pelo imponderável. A vida vai
se desenrolando pelas veredas que trilhamos. Algumas angustiantes, outras
inevitáveis, mas todas marcadas pelo aprendizado. Ansiamos por encontrar luz,
beleza e sentido no decorrer do caminho.
Viver
é resistir ao improvável se alargando em nossos horizontes. É saber que
existirão momentos nos quais colheremos o que semeamos, mas também, ocasiões em
que a vida haverá de nos colocar diante de situações insólitas que nunca, nem
em sonhos, imaginamos encontrar. É preciso remar movido pela teimosia e
continuar sem levar em conta os ventos contrários. O porto seguro de nossos
sonhos mais lindos pode estar perto e, o mesmo tempo, tão distante quanto o
infinito. Viver é teimar.
Homens
e mulheres lutam para convencer-se de que são comandantes da própria
existência. Mas esta suposta onipotência não subtrai nossas limitações. Muitas
vezes, por mais que tentemos não nos antecipamos a incidentes. Não conseguimos
dar a grande guinada na vida que tanto idealizamos. Quase sempre nos vemos
impotentes para contornar imprevistos: desastres, doenças, perdas. Basta um
instante crucial e sonhos são adiados ou se perdem para sempre.
Todos
são sabedores de que o passado tem a força de reviver os piores momentos da
jornada. Confrontar sonhos que foram aniquilados e idealismos que não puderam
subsistir. O fôlego que anima é temporário e perene. Toda a vida não passa de
um sopro ligeiro em meio a um universo com as suas próprias regras. Somos parte
de uma realidade sublinhada por dois sentimentos, a esperança e o medo. A
imprevisibilidade que a esperança suscita, anima, mas o futuro indeterminado é
capaz de amedrontar.
Medo
de que projetos não sejam concretizados. Mas esperança e teimosia para, mesmo
assim, continuar. Medo das distâncias, mas esperança que é revigorada nos
abraços, no cuidado e no carinho. Medo da conformidade de que o tempo arraste
para o nada todo o esforço empreendido, mas esperança de que o trabalho
exercitado tenha fortalecido a justiça e a dignidade humana.
As
mesmas dúvidas que atormentavam os filósofos clássicos, salmistas e poetas,
ainda ecoam nos dias atuais. Mudaram os rótulos. Continuam as fobias do
passado. O avanço da psicologia, da medicina e a multiplicidade de caminhos da
espiritualidade não amenizam a perspectiva de que a vida é complexa. A força da
angústia resiste a medicamentos e alquimias extravagantes.
Todos
somos flâmulas oscilantes. Carregamos sombras na alma. O grande
desafio da existência é abrir o coração e deixar que as réstias de luz iluminem
nossas sombras. Não permitir que as trevas prosperem. Aprender a construir
a própria história sem deixar-se destruir pela perversidade do mundo. Não
há códigos suficientes que abarquem todas as nuanças da vida. Viver é
amadurecer.
Aprendamos
com um dos maiores juristas italianos, Norberto Bobbio, que ao completar 87
anos de idade, escreveu em sua autobiografia: Hoje alcancei a tranquila
consciência. Tranquila, porém, infeliz, de ter chegado apenas aos pés da árvore
do conhecimento. Não foi do meu trabalho que obtive as alegrias mais duradouras
de minha vida, não obstante as honras, os prêmios, os reconhecimentos públicos
que aceitei de bom grado, mas não ambicionei e tampouco exigi. Obtive-as dos
meus relacionamentos, das pessoas que amei e que me amaram, de todos aqueles
que sempre estiveram ao meu lado e agora me acompanham no último trecho da
estrada.
Quem
deseja construir a sua jornada a partir de valores e verdades plenos de sentido
precisa fugir da indiferença, rejeitar o ódio, abominar o rancor, desprezar a
avareza e desdenhar da inveja. Vive uma vida com sentido quem personifica o
afeto, semeia a verdade, promove a paz.
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