sexta-feira, 13 de maio de 2016

OS ABISMOS DA ALMA




A realidade da vida pode ser perversa. O futuro a desafiar nossas inconstâncias e o passado a reivindicar lembranças de um período distante dos olhos, mas perto do coração. Poucos haverão de conseguir dominar as variáveis da existência humana que se desenrola entre dores e anseios com perspicácia e desenvoltura. Os acontecimentos, sejam eles agradáveis ou lúgubres, não estão condicionados a uma engrenagem que julgamos justa e precisa.

A noção aristotélica tomista de que a vida acontece num encadeamento de causas que produzem efeitos numa sucessão infinita, pode não passar de um fatalismo circunstancial. Nossa existência não se arrasta em simetrias. Talvez por isso, parecemos desorientados ao não conseguir controlar os dilemas gerados pela própria história. A vida se dá com um grau de liberdade que possibilita, inclusive, decisões equivocadas. Alegrias e frustrações ocorrem nos espaços da imprevisibilidade.

Viver não consiste tão somente no esforço pragmático em controlar as contingências da jornada. Somos desafiados a encontrar sentido a despeito daquilo que foge de nossa vã capacidade de persuasão. Somos marcados pelo imponderável. A vida vai se desenrolando pelas veredas que trilhamos. Algumas angustiantes, outras inevitáveis, mas todas marcadas pelo aprendizado. Ansiamos por encontrar luz, beleza e sentido no decorrer do caminho.

Viver é resistir ao improvável se alargando em nossos horizontes. É saber que existirão momentos nos quais colheremos o que semeamos, mas também, ocasiões em que a vida haverá de nos colocar diante de situações insólitas que nunca, nem em sonhos, imaginamos encontrar. É preciso remar movido pela teimosia e continuar sem levar em conta os ventos contrários. O porto seguro de nossos sonhos mais lindos pode estar perto e, o mesmo tempo, tão distante quanto o infinito. Viver é teimar.

Homens e mulheres lutam para convencer-se de que são comandantes da própria existência. Mas esta suposta onipotência não subtrai nossas limitações. Muitas vezes, por mais que tentemos não nos antecipamos a incidentes. Não conseguimos dar a grande guinada na vida que tanto idealizamos. Quase sempre nos vemos impotentes para contornar imprevistos: desastres, doenças, perdas. Basta um instante crucial e sonhos são adiados ou se perdem para sempre.

Todos são sabedores de que o passado tem a força de reviver os piores momentos da jornada. Confrontar sonhos que foram aniquilados e idealismos que não puderam subsistir. O fôlego que anima é temporário e perene. Toda a vida não passa de um sopro ligeiro em meio a um universo com as suas próprias regras. Somos parte de uma realidade sublinhada por dois sentimentos, a esperança e o medo. A imprevisibilidade que a esperança suscita, anima, mas o futuro indeterminado é capaz de amedrontar.

Medo de que projetos não sejam concretizados. Mas esperança e teimosia para, mesmo assim, continuar. Medo das distâncias, mas esperança que é revigorada nos abraços, no cuidado e no carinho. Medo da conformidade de que o tempo arraste para o nada todo o esforço empreendido, mas esperança de que o trabalho exercitado tenha fortalecido a justiça e a dignidade humana.

As mesmas dúvidas que atormentavam os filósofos clássicos, salmistas e poetas, ainda ecoam nos dias atuais. Mudaram os rótulos. Continuam as fobias do passado. O avanço da psicologia, da medicina e a multiplicidade de caminhos da espiritualidade não amenizam a perspectiva de que a vida é complexa. A força da angústia resiste a medicamentos e alquimias extravagantes.

Todos somos flâmulas oscilantes. Carregamos sombras na alma. O grande desafio da existência é abrir o coração e deixar que as réstias de luz iluminem nossas sombras. Não permitir que as trevas prosperem. Aprender a construir a própria história sem deixar-se destruir pela perversidade do mundo. Não há códigos suficientes que abarquem todas as nuanças da vida. Viver é amadurecer.

Aprendamos com um dos maiores juristas italianos, Norberto Bobbio, que ao completar 87 anos de idade, escreveu em sua autobiografia: Hoje alcancei a tranquila consciência. Tranquila, porém, infeliz, de ter chegado apenas aos pés da árvore do conhecimento. Não foi do meu trabalho que obtive as alegrias mais duradouras de minha vida, não obstante as honras, os prêmios, os reconhecimentos públicos que aceitei de bom grado, mas não ambicionei e tampouco exigi. Obtive-as dos meus relacionamentos, das pessoas que amei e que me amaram, de todos aqueles que sempre estiveram ao meu lado e agora me acompanham no último trecho da estrada

Quem deseja construir a sua jornada a partir de valores e verdades plenos de sentido precisa fugir da indiferença, rejeitar o ódio, abominar o rancor, desprezar a avareza e desdenhar da inveja. Vive uma vida com sentido quem personifica o afeto, semeia a verdade, promove a paz.

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