sexta-feira, 20 de maio de 2016

Lições para a Eternidade


Sempre procurei compreender o passado como lição edificante para a vida. Sem mágoa ou rancor. Levando em conta possíveis erros e acertos, mas, sobretudo, preservando aquilo que tinha sido bom e bonito. Guardando na memória e no coração, aqueles e aquelas que me permitiram o privilégio de sua palavra, seu abraço, seu tempo e carinho. Mesmo assim, existem lembranças difíceis que, insistentemente, pesam em minha alma. Percebo que sou marcado pela dor daquilo que nunca mais haverá de voltar. 

Tem dias em que as palavras não se completam. As frases insistem em não acabar. A melancolia vai se embrenhando em nosso ser. Caminhamos em direção ao porvir, sem levar em conta que o tempo, sim, o tempo, inclemente, nos aprisiona, fazendo esquecer toda a fragilidade e finitude humana.

Tem dias em que reconhecemos com mais nitidez a própria insignificância. Notamos que a valentia se mostrou inútil. Mesmo com todo o esforço, o mundo continuou em alguma direção, por vezes, imperceptível aos nossos sentidos. Vemos que as lágrimas foram desnecessárias e nossas inúmeras palavras, vãs. Sobreviver era preciso. Obedecemos ao imperativo de seguir adiante sem atinar os motivos em sermos resilientes.

Quantas coreografias demoníacas já afastaram daquilo que está na nossa essência? Na busca por enfrentar a condição efêmera e passageira, ansiamos em poder deixar de lado a alienação. Admitir as angústias como parte da condição humana pode tornar-se o meio para nos resgatar da mesmice. Angústia tem força de ensinar o valor do instante que vem, passa e desaparece. 

Introspecção – nunca solidão – pode converter teimosia em virtude. Conscientes da inexorabilidade da dor e do sofrimento, atinamos: a vida se dá no espaço que separa impotência de onipotência. Nesse percurso, reconhecemo-nos humanos, não divinos. Abandonamos possíveis fingimentos arrogantes e supostas certezas acabadas.

Só há alguma chance de escapar de dias assim, lembrando o que nos permitiu partilhar e sentir afeto, carinho, cuidado. Talvez, recordando o rosto meigo, que nos elegeu únicos. Quem sabe, restaurando na memória a mão que nos segurou quando estávamos diante de alguma queda. A palavra que trouxe alento. O olhar que inspirou coragem. É possível trazer à lembrança reminiscências que transformam melancolia em saudade e tristeza em poesia.

Jorge Luís Borges, depois de pensar sobre o tempo e a eternidade, sabiamente, concluiu: A vida é pobre demais para não ser também imortal.  De tão frágil, a existência é, ao mesmo tempo, fugaz e eterna. O tempo não cessa de desintegrar tudo com a mesma força que reconstrói. Morre-se a despeito de qualquer renascimento, e em cada morte se vislumbra novos caminhos.

Os acontecimentos se cristalizam no pretérito. Dos eventos sobram as pegadas. As estradas percorridas se alongam mais do que as que ainda esperam ser trilhadas. A identidade de indivíduos depende deles se reconhecerem na frente de um espelho. Caso não consigam pronunciar o nome de quem está na sua memória, perdem as coordenadas da história. Sem os vestígios do passado, pessoas se condenam a perambular, errantes, em direção a algum futuro insípido. E para sempre, perpetuamente, acreditarão serem o que nunca foram. A memória salva da loucura.

O tempo tudo destrói. A poeira da história, tangida pelo fluir inevitável do tempo, cobre tudo. Depois de séculos, impérios outrora avassaladores, agora suscitam o tédio em ambientes universitários. Exércitos desapareceram. Templos magníficos hoje não passam de escombros. Livros importantes jazem nas bibliotecas. Nós também passaremos.

Viver é aliar virtude à coragem. Se não há como evitar a lastima que nos distancia daqueles que amamos, convém ter braços longos para as despedidas. A angústia da saudade ensina o que há de mais elevado, sublime, triste e doído. Aprende-se a amar o crepúsculo, enamorar-se da lua e casar com a noite. Há dor no findar do dia, lágrima pela madrugada e aflição na alvorada.

Quem deseja subir um degrau na existência, precisa descer dois. Humildade, ao contrário de piedade, significa ter a capacidade de perceber as sombras com a mesma sensibilidade que a luz. Perfeição não aparece nas simetrias extraordinárias. Perfeição se esconde nas trivialidades e só pede um olhar simples.

Não basta destacar as folhas no calendário. Copular, jogar conversa fora, cumprir tarefas. Reclamar do temporal não significa viver. Só vivemos uma vez. Com algum cuidado, uma vez será o suficiente.

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