Sempre
procurei compreender o passado como lição edificante para a vida. Sem mágoa ou
rancor. Levando em conta possíveis erros e acertos, mas, sobretudo, preservando
aquilo que tinha sido bom e bonito. Guardando na memória e no coração, aqueles
e aquelas que me permitiram o privilégio de sua palavra, seu abraço, seu tempo
e carinho. Mesmo assim, existem lembranças difíceis que, insistentemente, pesam
em minha alma. Percebo que sou marcado pela dor daquilo que nunca mais haverá
de voltar.
Tem
dias em que as palavras não se completam. As frases insistem em não acabar. A
melancolia vai se embrenhando em nosso ser. Caminhamos em direção ao porvir,
sem levar em conta que o tempo, sim, o tempo, inclemente, nos aprisiona,
fazendo esquecer toda a fragilidade e finitude humana.
Tem
dias em que reconhecemos com mais nitidez a própria insignificância. Notamos
que a valentia se mostrou inútil. Mesmo com todo o esforço, o mundo continuou
em alguma direção, por vezes, imperceptível aos nossos sentidos. Vemos que as
lágrimas foram desnecessárias e nossas inúmeras palavras, vãs. Sobreviver era
preciso. Obedecemos ao imperativo de seguir adiante sem atinar os motivos em
sermos resilientes.
Quantas
coreografias demoníacas já afastaram daquilo que está na nossa essência? Na busca
por enfrentar a condição efêmera e passageira, ansiamos em poder deixar de lado
a alienação. Admitir as angústias como parte da condição humana pode tornar-se
o meio para nos resgatar da mesmice. Angústia tem força de ensinar o valor do
instante que vem, passa e desaparece.
Introspecção
– nunca solidão – pode converter teimosia em virtude. Conscientes da
inexorabilidade da dor e do sofrimento, atinamos: a vida se dá no espaço que
separa impotência de onipotência. Nesse percurso, reconhecemo-nos humanos, não
divinos. Abandonamos possíveis fingimentos arrogantes e supostas certezas
acabadas.
Só
há alguma chance de escapar de dias assim, lembrando o que nos permitiu
partilhar e sentir afeto, carinho, cuidado. Talvez, recordando o rosto meigo,
que nos elegeu únicos. Quem sabe, restaurando na memória a mão que nos segurou
quando estávamos diante de alguma queda. A palavra que trouxe alento. O olhar
que inspirou coragem. É possível trazer à lembrança reminiscências que
transformam melancolia em saudade e tristeza em poesia.
Jorge
Luís Borges, depois de pensar sobre o tempo e a eternidade, sabiamente,
concluiu: A vida é pobre demais para não ser também imortal. De tão
frágil, a existência é, ao mesmo tempo, fugaz e eterna. O tempo não cessa de
desintegrar tudo com a mesma força que reconstrói. Morre-se a despeito de
qualquer renascimento, e em cada morte se vislumbra novos caminhos.
Os
acontecimentos se cristalizam no pretérito. Dos eventos sobram as pegadas. As
estradas percorridas se alongam mais do que as que ainda esperam ser trilhadas.
A identidade de indivíduos depende deles se reconhecerem na frente de um
espelho. Caso não consigam pronunciar o nome de quem está na sua memória,
perdem as coordenadas da história. Sem os vestígios do passado, pessoas se
condenam a perambular, errantes, em direção a algum futuro insípido. E para
sempre, perpetuamente, acreditarão serem o que nunca foram. A memória salva da
loucura.
O
tempo tudo destrói. A poeira da história, tangida pelo fluir inevitável do
tempo, cobre tudo. Depois de séculos, impérios outrora avassaladores, agora
suscitam o tédio em ambientes universitários. Exércitos desapareceram. Templos
magníficos hoje não passam de escombros. Livros importantes jazem nas
bibliotecas. Nós também passaremos.
Viver
é aliar virtude à coragem. Se não há como evitar a lastima que nos distancia
daqueles que amamos, convém ter braços longos para as despedidas. A
angústia da saudade ensina o que há de mais elevado, sublime, triste e
doído. Aprende-se a amar o crepúsculo, enamorar-se da lua e casar com a
noite. Há dor no findar do dia, lágrima pela madrugada e aflição na alvorada.
Quem
deseja subir um degrau na existência, precisa descer dois. Humildade, ao
contrário de piedade, significa ter a capacidade de perceber as sombras com a
mesma sensibilidade que a luz. Perfeição não aparece nas simetrias
extraordinárias. Perfeição se esconde nas trivialidades e só pede um olhar
simples.
Não
basta destacar as folhas no calendário. Copular, jogar conversa fora, cumprir
tarefas. Reclamar do temporal não significa viver. Só vivemos uma vez. Com
algum cuidado, uma vez será o suficiente.
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