sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O Exercício do Poder e o Valor do Caráter

Lembro-me bem da afirmação de um professor em sala de aula nos tempos de faculdade: ‘Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder e dinheiro’. Célebre constatação para a nossa sociedade, tão carente de valores e verdades. Onde a justiça é jogada no lixo. A honestidade interpretada como se fosse bobagem. O caráter como algo retrógrado.

Já faz tempo que tenho percebido a postura e as atitudes de algumas pessoas quando recebem a oportunidade de exercer qualquer tipo de poder. Mais do que o caráter, entendo que se pode conhecer a identidade de cada indivíduo, verdadeiramente, observando a forma como ele lida com o poder que lhe é confiado. Não é raro perceber a pessoa se mostrando insensata, mesquinha, mentirosa e até cruel quando assume um papel de relevância em alguma instituição.

Receio que os mais competentes e generosos sejam aqueles que sabem o quanto o poder é efêmero e transitório. Por isso, preocupam-se com os demais e buscam alcançar sabedoria e o discernimento para a sua jornada. Exercitam a humildade. Entendem os valores da coletividade. São pessoas leais, justas e honestas. Não se deixam ofuscar pelo brilho que o poder ou o dinheiro é capaz de trazer. Primam pelo bem comum.

Por outro lado, pessoas medíocres, e que infelizmente, tem se multiplicado com certa fartura, apegam-se ao poder, ao status, ao dinheiro como se estes fossem eternos. São pessoas que não hesitam em tripudiar com os mais humildes. Mostram uma coisa e fazem bem outra. Não conseguem exercitar a coerência. Jamais serão exemplos a serem seguidos.

Quem não teve a possibilidade de conviver com determinadas pessoas bastante afinadas com esta descrição nas empresas, órgãos públicos, escolas, igrejas? Numa hora mostrando-se pacíficas, alegres e até bondosas e, em dado momento, se transformando em tiranas e inflexíveis? O poder subindo à cabeça e invadindo a alma. Todas as frustrações e os complexos de inferioridade acumulados por não ter méritos para um protagonismo de primeiro plano, de repente, irrompem sob a forma da prepotência, da arbitrariedade, dos maus tratos.

É muito revoltante observar gente que pregou a socialização do poder, as direções coletivas, a construção de consensos pela via das discussões democráticas, que estufava o peito criticando a violência verbal, a ofensa, de repente, vê o poder cair no seu colo e  revela falta de caráter e de princípios. Renega tudo o que defendia. Vive o encanto de se tornar déspota.

Tem ainda aquelas pessoas que quando alcançam o poder, a austeridade material ou a fama, botam pra fora o que de pior carregavam consigo. Tornam-se monstros. Passam a acreditar que o poder é uma espécie de salvo conduto para fazer aquilo que for conveniente, a torto e a direito, contra tudo e contra todos. Não conseguem conviver com pessoas que lhes possam fazer alguma sombra. Tem complexo de inferioridade. Acreditam que os outros não lhes reconhecem os méritos. Não pensam duas vezes quando podem prejudicar o semelhante para garantir um determinado status quo.

Interessante que os indivíduos que possuem uma visão instrumental do poder, acabam se desesperando quando confrontados com pessoas que o alcançaram através do esforço, da dedicação, do carisma, da legitimidade moral, da capacidade intelectual. Não conseguem aceitar que sejam pessoas que não se dobram diante de ameaças, diante dos decretos, das arbitrariedades.

A visão instrumental do poder não permite conviver com as diferenças. Qualquer divergência vai logo se desdobrando em rupturas. Surgem os decretos, as punições, as exigências. Não existe preocupação com a coesão e a liberdade. São pessoas medíocres, mas com uma ânsia incontida para ter a última palavra. Sendo inseguros, precisam de adulação, de elogios. Por isso, escolhem aqueles que possam cercá-los e colocá-los em algum lugar de destaque ou evidência.

Não sabem argumentar, não conseguem justificar as decisões absurdas que vão tomando. Vivem numa redoma junto dos que dependem deles. Fogem da discussão, da confrontação, dos argumentos. Tentam reduzir tudo a supostas normas, estatutos, ameaças. São medíocres idiotizados por algum ativismo esdrúxulo. Não agem com transparência, pois vivem escondendo suas intenções.

Pensam que dominam tudo. Vivem num mundo vazio e são engolidos pela sua mediocridade. Todos os dias pulam no abismo. Vivem na mentira. Não sabem o valor da partilha, do amor, da solidariedade.

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