sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Mentalidades Inquisitoriais


Para muitos, a sensação é de termos sido lançados em um pesadelo. Diante dos absurdos que se repetem, há uma pergunta que ainda não recebeu uma resposta adequada: como permitimos essa longa noite que parece não ter fim? Por um lado, a visão hegemônica de mundo parece indicar que os “outros” devem ser percebidos como ameaças, concorrentes e, não raro, inimigos a serem destruídos. O egoísmo tornou-se uma virtude em um tempo no qual o objetivo recorrente é a acumulação de capital. Por outro, a esperança de um mundo melhor parece, paulatinamente, estar ficando debilitada.

O que deveria ser um exercício crítico e uma reflexão necessária para reduzir as opressões, tende a se aproximar, perigosamente, da intolerância e do reacionarismo. Hoje, basta uma palavra mal colocada ou mal interpretada para fazer cessar uma conversa ou qualquer possibilidade de diálogo. O outro, por mais próximo que esteja no campo das ideias, pode virar um inimigo a ser rechaçado e até destruído.

Ataques ao pensamento, às ideias e à cultura, parecem ser a bola da vez. Trata-se de abandonar o espírito libertário e igualitário para atuar a partir de condenações, slogans vazios; manifestações prepotentes. Mesmo em ambientes acadêmicos, podem se instaurar regimes marcados pela negação da ciência e o autoritarismo por conta de uma pretensa “doutrinação” que poderia estar ocorrendo nestes lugares. Qualquer contradição teórica ou frase descontextualizada pode descambar para ofensas e a agressões. Com frequência, há justificativas para a interdição do debate e a intimidação de educadores/as.

Uma parte significativa dessas posturas intolerantes, agressivas e de controle, nem partem de um Estado autoritário, mas, de uma parcela da população. Isso até poderia ser algo positivo se muitas destas pessoas não estivessem tomadas por uma visão inquisitorial de justiça sublinhadas por certezas tipicamente paranoicas. Vive-se um mundo em que o ódio se encontra liberado, em especial, nas redes sociais. Embora a liberdade de falar e de pensar esteja sob profunda vigilância, estamos em um momento no qual, em nome da tolerância e até do amor ao próximo, odeia-se cada vez mais.

Hoje, as mentalidades inquisitoriais, recorrem a seus inúmeros “manuais de comportamento” para estabelecer certas condutas. Ao seguir um tipo de “receita", as pessoas tornam-se acríticas e perdem a sua capacidade criativa. Afinal, é impossível construir coletivamente algo em prol do bem comum se inexiste a perspectiva da autonomia.

Quem quiser mudar a sociedade precisa abandonar certos discursos padronizados que só conseguem ter efeito para alguns poucos. Não se pode querer transformar o mundo podando o pensamento, interditando a fala ou reproduzindo apenas frases prontas. É preciso ajudar na transformação da sociedade, reconhecendo as diferenças, aprendendo com as contradições e participando ativamente da construção coletiva de um outro mundo.

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