segunda-feira, 11 de novembro de 2019

TARDE DEMAIS

Por que a Alemanha, o país com um dos melhores sistemas de educação pública e a maior concentração de doutores do mundo, sucumbiu a um charlatão fascista? Essa é uma das questões emblemáticas que continua suscitando muitas interpretações e respostas. Tomo a liberdade de discorrer acerca daquilo que me parece mais óbvio a partir de, pelo menos, sete aspectos, para compreender melhor a realidade.

Por volta do ano de 1920, Adolf Hitler, era apenas um ex-militar do baixo escalão levado a sério por pouca gente. Era conhecido por seus discursos indignados contra os políticos, os pacifistas, as feministas, os gays, imigrantes e a grande mídia. Em 1932, porém, em torno de 37% dos eleitores alemães votaram no partido de Hitler que passou a ser a nova força política dominante no país. Em janeiro de 1933, ele se tornava o chefe de governo. Mas, afinal, por que tantos alemães instruídos haviam votado em alguém que depois levaria o país ao abismo?

Em primeiro lugar, os alemães tinham perdido a fé no sistema político. A jovem democracia não trouxera os benefícios que muitos esperavam. Havia gente que se sentia ultrajada pelo sistema político que tinha causado a pior crise econômica na história. Buscava-se um novo protagonista. Alguém que pudesse promover mudanças de verdade. Muitos dos eleitores, à época, até ficavam incomodados com o radicalismo, mas as outras alternativas que se colocavam não pareciam oferecer uma boa saída.

Em segundo lugar, Hitler sabia como usar a mídia para os seus propósitos. Contrastava com o discurso enfadonho da maioria dos outros políticos. Era alguém que se valia de um linguajar simples, espalhava notícias sem muito fundamento e os jornais, ainda que que achassem sua postura incorreta nos seus propósitos, retratavam autenticidade, sobretudo, em quem o apoiava. Cada discurso era um espetáculo. Diferente dos outros agentes da vida pública, ele era recebido com muitos aplausos por onde passava. Empolgava multidões.

Em terceiro lugar, muitos alemães sentiram que seu país sofria com uma crise moral e Hitler prometia uma restauração. Pessoas de diferentes vertentes religiosas ficavam horrorizadas com o novo ideário artístico e as referências culturais que surgiram neste período. As mulheres cada vez mais independentes e os grupos LGBT ganhando visibilidade. Os conservadores sonhavam em restabelecer uma antiga ordem. Os conselheiros de Hitler, não por acaso, eram em sua maioria, homens, militares, heterossexuais, brancos. As mulheres, segundo o seu entendimento, deveriam se limitar a administrar a casa e ter filhos.

Em quarto lugar, apesar de Hitler fazer declarações polêmicas, muitos pensavam que ele só queria trazer a realidade para mais perto das pessoas. Muitos alemães que tinham amigos gays ou judeus votaram em Hitler, confiantes de que ele nunca implementaria as suas promessas. Era uma pessoa simples, inexperiente e sem muita noção da realidade. Não raro, ele era motivo de chacota para os opositores. Mesmo sem muita noção do cargo que ocupava, em geral, as pessoas acreditavam que a governança poderia ser realizada por conselheiros.

Em quinto lugar, ele era alguém capaz de oferecer soluções simplistas que, à primeira vista, faziam sentido para as pessoas. Os problemas da criminalidade, por exemplo, poderia ser resolvido se cada indivíduo tivesse acesso a armas, se o Estado aplicasse a pena de morte ou se mais gente estivesse na prisão. Problemas econômicos, segundo o seu pensamento, eram causados pelas relações promíscuas com outros países, sobretudo, de ideologia comunista. Os judeus, que à época, eram menos que 1% da população, passaram a ser responsabilizados por tudo aquilo que não andava bem na sociedade alemã. Não por acaso, se passou a defender o espirito patriótico com slogans do tipo: "Alemanha acima de tudo", "Renascimento da Alemanha", "Um povo, uma nação, um líder."

Em sexto lugar, muitos empresários ligados a grandes corporações, aderiram aos propósitos hitleristas porque ele havia prometido, e depois veio a implementar, de fato, um interessante regime que beneficiava grupos e projetos especiais. Algumas corporações industriais viram seus contratos melhorarem e, por conta disso, ignoravam as tendências fascistas em curso.

Em sétimo lugar, mesmo antes da eleição de 1932, falar contra os ideais de Hitler tornou-se mais complicado. Muitos grupos, inclusive da juventude que apoiava o ditador, passaram a ameaçar oponentes. No início, com abusos verbais, depois, com a violência física. Milhares de alemães que não apoiavam o regime optavam pelo silêncio para evitar problemas.

Em apenas doze anos, pelo menos, seis milhões de judeus foram exterminados e mais de 50 milhões de pessoas mortas. Alemães que haviam apoiado Hitler, diziam que não tinham ideia de que ele traria tanta miséria ao mundo. Justamente quando era mais necessário defender a democracia, os alemães caíram na tentação de apoiar um demagogo patético que fornecia uma falsa sensação de segurança e poucas propostas concretas de como lidar com os problemas da nação.

Importa lembrar sempre que Hitler não chegou ao poder porque todos os alemães eram nazistas ou então, antissemitas, mas, porque muitas pessoas de bom coração fizeram vista grossa ou silenciaram diante daquilo que se anunciava. O mal se estabeleceu na vida cotidiana porque as pessoas estavam cansadas ou sem vontade para reconhecê-lo e denunciá-lo. Os alemães, diante da corrupção e da crise, estavam dispostos a minimizar certas bobagens que ouviam. Antes que muitos percebessem o que estava acontecendo, ele já não podia mais ser contido. Era tarde demais.

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