sexta-feira, 29 de novembro de 2019

FIM DA HISTÓRIA

Corria o ano de 1989 quando um dos ideólogos do governo de Ronald Reagan e também mentor intelectual de Margaret Thatcher, o filósofo e economista Francis Fukuyama, propôs que a história havia chegado ao seu fim. Ele logo se tornaria muito conhecido no meio acadêmico. Sua afirmação causou grande perplexidade, pois sublinhava o término das utopias, sobretudo, por conta do esfacelamento dos ideais soviéticos. Para ele, estaríamos, pois, condenados a um futuro que se alongaria numa sucessão de fatos menores e de acontecimentos sem muita relevância.

Fukuyama expressava a mentalidade de um tempo que começava a ser chamado de pós-modernidade. Um contrapé histórico caracterizado pela decepção com as propostas do Iluminismo e com as afirmações mais incisivas da racionalidade. Tratava-se de questionar os avanços do saber científico; o domínio da natureza pela tecnologia; o aumento da produtividade e da riqueza material; a emancipação das mentes depois de séculos de imposição religiosa; o progresso e a salvação dos povos pelas instituições políticas; o aprimoramento moral dos indivíduos por meio da educação e das leis.

Se olharmos bem, parece mesmo que muitos destes propósitos foram pelo ralo. Ideais e bandeiras apaixonadas ficaram em algum lugar do passado. Um mundo de utopias cedeu lugar ao mais absoluto hedonismo. Os grandes ideólogos políticos deixaram seus palanques para os sabichões do marketing. Diminuíram as trincheiras nas ruas das cidades e muitos jovens optaram por gastar seu tempo nos shoppings. A China, por exemplo, o maior país comunista do planeta, se transformou em um novo paraíso capitalista, com instituições políticas totalitárias e uma economia de mercado sem precedentes.

Também não é por acaso que um dos maiores desafios de nosso tempo são as convicções fundamentalistas islâmicas que vem se notabilizando por defender um mundo que parece existir apenas na mente de alguns poucos reacionários dispostos a pagar com a própria vida a imposição de um estado teocrático. Vislumbram uma sociedade que deveria caminhar apenas em uma direção guiada pela leitura enviesada do Corão e sempre condicionada à disciplina e censura nos costumes e nas tradições. Entre tantas aberrações, se insiste, por exemplo, em condenar as mulheres a retrocederem séculos para se sujeitarem de novo às terríveis mordaças medievais.

Diante de tantas esquisitices de nossa era, no fundo, entorpecemos as consciências com a alienante desinformação. A televisão e as mídias sociais foram nos nivelando por baixo. A avalanche de novos fatos que se sucedem em um mundo globalizado não nos deixa tempo para a reflexão. Sucumbimos a um rápido processo de imbecilização. Há uma cultura de consumo que anestesia e induz para que mantenhamos uma imagem muito distante da realidade permeada pelas desventuras e dificuldades do cotidiano.

Fernando Pessoa em seu magnífico “Livro do Desassossego”, afirmou que ao herdarmos uma descrença generalizada tanto no “cristianismo como na igualdade social, na ciência e nos seus proveitos” acabamos nos contentando em meramente viver. E arremata: “Ficamos, pois, cada um entregue a si próprio, na desolação de só sentir viver. Um barco parece ser um objeto cujo fim é navegar; mas o seu fim não é navegar, senão chegar a um porto. Nos encontramos navegando, sem a ideia do porto que nos deveria acolher”.

O veredito de Pessoa, mesmo tendo sido manifestado há mais de um século, é doloroso: “Sem ilusões, vivemos apenas do sonho, que é a ilusão de quem não pode ter ilusões … Sem fé, não temos esperança, e sem esperança não temos propriamente vida. Não tendo uma ideia do futuro, também não temos uma ideia de hoje, porque o hoje, para o homem de ação, não é senão um prólogo do futuro. A energia para lutar nasceu morta conosco, porque nós nascemos sem o entusiasmo da luta”.

Melancolicamente também se percebe que a esperança anda pequena para tantos em nossos dias. A gente vai se contentando em repetir certas rotinas. Nos sujeitamos à ladainha de repercutir palavras sem muito sentido em um mundo carente de afetos. Vamos nos retraindo, cada qual no seu canto, para viver sem grandes propósitos. Vivemos para existir. Temos dificuldades para sonhar e medo de amar.

O conhecido escritor, dramaturgo e primeiro presidente da república tcheca, Václav Havel, certa vez, sentenciou: “esperança não é lutar porque vai dar certo, mas por aquilo que vale a pena”. Intuo que a esperança deveria estar no alicerce de nossas mais intimas decisões. Mesmo sem saber bem como será o amanhã, é preciso perseverar. Não resignar-se diante do futuro ainda que pareça sombrio. Não se acomodar à profecia apocalíptica preconizada por pretensos conhecedores da história, a exemplo de Fukuyama.

Lutar por ideais, abraçar causas, romper zonas de conforto. Fazer da própria palavra um instrumento que coloque abaixo a mediocridade, desmontando estruturas sociais perversas e que sejam sempre uma contradição ao espírito individualista de nossa época. É urgente nos dispormos a construir uma sociedade mais solidária, uma economia mais justa e um mundo sem tanto ódio e insensatez.

Eu, de minha parte, desejo, por fim, estar ao lado de quem quero bem. Cultivando momentos de partilha e afeto. Peço a Deus a capacidade para seguir acreditando que as fagulhas da bondade ainda prevalecem diante das trevas. Quero continuar confiando no bem e na paz. Diminuir minha rudeza e apatia Aumentar minha paciência e perseverança.

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