domingo, 15 de novembro de 2020

Fanatismos e (Des) Informação


Por muito tempo se imaginou que o acesso à informação seria uma coisa muito boa para o conhecimento e os debates políticos. No passado, os ideais iluministas acentuavam esta possibilidade. Em geral, o fanatismo político de outros tempos era compreendido como resultado da ignorância das populações. Quanto mais informações as pessoas tivessem, mais discernimento elas haveriam de manifestar. Seriam, portanto, mais prudentes, mais tolerantes, mais humildes em suas supostas certezas e mais propensas a ouvir e exercitar a empatia. Além disso, quanto mais fontes de informação tivessem à disposição, mais complexas se tornariam suas ideias e discussões, mais amplas as suas visões de mundo, menos condicionadas por certas paixões.

Infelizmente o que se vislumbra nos dias atuais parece ser bem distante daquilo que se imaginava. Com frequência, não se almeja encontrar a verdade, o esclarecimento mútuo ou a cooperação para compreender a complexidade do mundo. Não. Busca-se, muito mais, a confirmação daquilo que se quer dizer, de preferência, por meio de simplificações reforçadas por conceitos pré-concebidos. Se quer a informação para satisfazer certos anseios existenciais. Parece existir, cada vez menos, a preocupação com o conhecimento.

Vivemos, nos dias atuais, múltiplas possibilidades de acesso a inúmeras fontes de informação. Mesmo assim, ao invés de superarmos o fanatismo do passado, o que se percebe, é a profunda negação a certos princípios elementares do conhecimento e da interação humana. Esta nova dinâmica cibernética exacerbou uma legião de novos fanáticos. A informação não parece ter conseguido consolidar as relações humanas na perspectiva da tolerância e do mútuo entendimento. Ao contrário: é como se a dinâmica favorecesse os mais impetuosos fanatismos. Grupos que há alguns anos construíam pontes, agora, não raro, parecem se digladiar. Cada qual patrulhando gestos e palavras de forma intransigente e atacando sem qualquer cerimônia a aquilo que se entende como fora do lugar. Trata-se, pois, de um paradoxo. Temos muita informação a partir de infinitas fontes, mas, ao mesmo tempo, muita “lacração”, xingamentos e conflitos. Uma vontade incontida para calar oponentes. Quase nenhuma disposição para a crítica sem que o outra seja humilhado, exposto ou punido pela opinião pública.

É importante ressaltar que a informação enquanto atributo propicio ao fortalecimento da democracia, parece ter sido uma questão compreendida de maneira equivocada. O fanatismo não acontecia por que as pessoas tinham falta de informações ou não conseguiam acessar as fontes em sua diversidade. Hoje se percebe que cada pessoa decide aquilo que deseja fazer com as informações que encontra à sua disposição. Alguns se dispõe a utilizar aquilo que observam para o esclarecimento, a tolerância e o entendimento. Outras, ao contrário, se valem delas como se fosse o combustível para arroubos autoritários. Não importa o que se diga ou faça: certas posições parecem inabaláveis. Pouco importam os fatos.

Convém também considerar que a informação não é, em si, instrumento de opressão, de conflitos ou dominação. Ela pode se transformar quando segmentada conforme certas ideologias ou interesses. Em uma sociedade com tanta informação, não falta gente que a busque para multiplicar seus interesses mesquinhos. Pode ser por meio das famigeradas fake news, mas, igualmente, com aquilo que permita reforçar a ignorância e os fanatismos. O sujeito iluminista que em outras épocas se esmerava para olhar com cuidado a realidade por meio da suspensão do julgamento até que pudesse examinar as razões que lhes eram apresentadas, cedeu a vez para o indivíduo que busca informações para satisfazer e confirmar as suas vontades e a sua ideia de mundo.

A diversidade acabou se transformando numa forma rápida de satisfação de necessidades cognitivas. A esfera pública brasileira não deixa de ser o exemplo mais claro desta triste e vergonhosa situação. Não há maluquice que não tenha um professor ou algum pregador nas redes sociais. Para qualquer posição política estúpida, perigosa ou antissocial, haverá sempre um número grande de seguidores. A maior tragédia nestes tempos sombrios é que estamos perdendo a empatia diante das desventuras pelas quais passam nossos semelhantes.

Aos poucos vamos desaprendendo a dialogar. Não conseguimos perceber que a diversidade é bela e inerente à condição humana. Não é ruim que cada qual compreenda o mundo à sua maneira. O problema é que olhamos para o outro não como alguém que apenas pensa diferente, mas, como alguém que por pensar diferente não merece o meu respeito, o meu afeto, a minha amizade. Quem sabe um dia ainda consigamos alcançar um pouco mais de tolerância.

A despeito de tantos infortúnios, que tenhamos a capacidade de seguir adiante cultivando esta esperança sem a qual os olhos, a boca e os corpos definham. Sem esperança, os olhos deixam de sorrir. Sem esperança, as bocas deixam de proclamar palavras de alento. Necessitamos uns dos outros para nos sentirmos vivos nem tanto pela felicidade que nos une, mas, porque na dor e desafios do cotidiano nos enxergamos e conhecemos melhor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário