terça-feira, 3 de março de 2020

A Ignorância e o Poder

Nestes dias conturbados em que presenciamos situações esdrúxulas a cada minuto, a figura do autômato descrita pelo Filósofo e Historiador Alemão, Walter Benjamin, parece fazer bastante sentido. Em seu texto “Conceitos Sobre História”, ele caracteriza assim este personagem: “Conhecemos a história de um autômato construído de tal modo que podia responder a cada lance de um jogador de xadrez com um contra lance, que lhe assegurava a vitória. Um fantoche vestido à turca, com um narguilé na boca, sentava-se diante do tabuleiro, colocado numa grande mesa. Um sistema de espelhos criava a ilusão de que a mesa era totalmente visível, em todos os seus pormenores. Na realidade, um anão corcunda se escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigia com cordéis a mão do fantoche.”

O que exprime a ideia da figura de um autômato fantoche, deixa claro as nuances da situação brasileira atual. Vivemos como se fôssemos uma população robotizada, passando por falsas transformações que ocultam uma continuidade de engrenagens do poder que se perpetuam desde a formação do país. Assim como em um jogo de xadrez, nossas jogadas são com as cartas marcadas. Embora as peças sejam diferentes ao longo dos anos, nossa situação, graças aos tantos mecanismos que fomos aceitando, garante a perpetuação de uma série de abusos.

Desde o período colonial até o grito do Ipiranga proclamado por um inexperiente português com disenteria; da pompa imperial a república velha e seu voto de cabresto; do Estado novo de Vargas ao período de exceção confluindo para os dias atuais, o que se vislumbra é uma estranha democracia republicana cheia de conveniências. Mudaram os sistemas de governo, as pessoas, os políticos, as premissas da economia, mas a lógica do poder conseguiu se manter independente do período.

São hábitos, costumes e uma certa cultura política e educacional calcada no uso do estado, da nação e de todos os seus dispositivos para perpetuação de um modelo voltado para o ego individualista, onde poucos se beneficiam com as mazelas da maioria. Onde deveriam, sim, existir ações e pensamentos voltados para o bem-estar de todos. Mas, o que vale mesmo é o sucesso individual, baseado na desgraça dos outros.

Instituições, empresas, órgãos públicos ou privados e a própria população são imbuídas de uma crença onde o seu interesse deve ser garantido para que os objetivos, as metas e a satisfação pessoal sejam supridos. Por este caminho, o que ocorre é uma cegueira geral onde a empatia pelo outro passa a ser desnecessária. Onde se busca garantir as necessidades de vida, consumo, lazer, segurança, saúde, educação, mas, onde, em contrapartida, o desenvolvimento atinge as expectativas e a estabilidade para aqueles que pertencem a um seleto grupo. Vale mais o ganho individual em detrimento do interesse coletivo.

É esta a realidade do Brasil. Uma população com suas ilusões criadas por uma política que mesmo mudando jogadas e jogadores, consegue perpetuar processos e atingir os mesmos resultados, não importando se a partida e o sistema forem diferentes. O resultado sempre será o mesmo, ludibriando e dando a falsa ilusão para aqueles que estão envolvidos no jogo, que podem conseguir uma vitória quando uma nova partida se inicia.

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