terça-feira, 10 de setembro de 2019

CIÊNCIA E PESQUISA

É impossível não perceber a gravidade daquilo que estamos vivendo em relação a ciência e a pesquisa no Brasil. Não são apenas milhares de pesquisadores que ficarão sem bolsa - para muitos deles, a única fonte de renda - e de projetos sem continuidade. Não é apenas a quebra unilateral e arbitrária de milhares de contratos que tinham gerado expectativas e investimentos pessoais.

Isso já seria muito grave, mas há mais. Vamos abrir mão de vez da expectativa de sermos um país soberano e nos acomodar passivamente à posição de receptores de conhecimento produzido em outros lugares? Vamos aceitar o aniquilamento da nossa inteligência? Vamos ficar como espectadores do avanço científico e tecnológico? Vamos negar a nós mesmos a possibilidade de construir um projeto de nação? Vamos abraçar de vez o atraso?

A destruição da pós-graduação e da pesquisa terá um efeito cascata nos outros níveis de ensino, fazendo decair ainda mais a qualidade da educação oferecida no Brasil. Trata-se de antever um país de trabalhadores com uma formação cada vez mais precária. Há, por óbvio, uma parcela da população que acredita em teorias estapafúrdias e que, por isso mesmo, entende o conhecimento como uma forma de perversão. Alardeiam bobagens descrevendo as universidades como antros de drogados, da promiscuidade e da bandalheira política e ideológica.

A defesa da pesquisa científica e da pós-graduação no Brasil não deixa de ser um teste para ver de que lado as pessoas se encontram nos dias atuais. Que pactua com os retrocessos e prefere dar voz a certos preceitos destituídos de um mínimo de bom senso talvez nunca consiga perceber que a educação é a única alternativa para construirmos um país melhor. Nossa tarefa é apontar a gravidade do que está acontecendo, esclarecer as implicações e estabelecer as condições de uma ação ampla e efetiva.

Os dados mostram mais de 21 mil novos trabalhos acadêmicos de pesquisadores do Brasil desenvolvidos com verba do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) somente no ano de 2017. Isso representa um terço de toda a ciência do país. Para se ter uma ideia, são quase 60 novos trabalhos por dia. Em um deles, por exemplo, os pesquisadores brasileiros exploraram a aplicação de células-tronco em doenças cardíacas - a principal causa de morte no Brasil. Apenas em 2017, houve 51 novos estudos sobre o zika vírus com financiamento do CNPq. Praticamente uma nova descoberta sobre a doença por semana.

A verba destinada para as pesquisas, entrementes, vem sendo usada para comprar insumos e equipamentos de laboratório na medida em que muitas de nossas Universidades, por conta dos sucessivos cortes, não consegue disponibilizar os meios adequados ao fomento dos projetos. O CNPq também paga diretamente bolsas de pesquisa a pós-graduandos –uma espécie de salário para que cientistas em formação se dediquem exclusivamente a suas pesquisas. Um bolsista de doutorado recebe R$ 2.200 e um de mestrado R$ 1.400 mensais. O valor não é reajustado há mais de seis anos.

Alega-se que o CNPq não terá mais recursos para pagar os cerca de 85 mil bolsistas financiados pela agência. Antes disso, o órgão já havia congelado as bolsas "especiais", voltadas para cientistas com alto nível de produção acadêmica. É o caso de quem está realizando estudos de pós doutorado. O aporte à realização de congressos, seminários, simpósios e eventos científicos também foi suspenso.

Além da paralisação de pesquisas essenciais para o desenvolvimento do país, o possível corte de bolsas pode levar à fuga de capital humano. Trata-se da perda de pós-graduandos e de cientistas já formados no país, inclusive com dinheiro público, que buscarão recursos para fazer ciência em instituições estrangeiras. Criado com pompa e ligado diretamente à presidência da república, em 1951, o CNPq tem sofrido cortes imensos nos últimos anos. Hoje, o orçamento do órgão é a metade daquilo que representava no ano de 2012.

Os cortes de bolsas e de investimentos na pesquisa apontam para um país mais desigual, mais dependente e mais submisso. Afinal, na pesquisa científica não se aperta a tecla "pause" para depois retomar de onde parou. É necessário continuidade. Os sucessivos cortes nos farão recuar décadas. Podemos perder gerações.

Não é difícil entender este quadro. No entanto, o déficit cognitivo atual é tão gritante que vamos aceitando que as pessoas não sejam capazes de se dar conta desta realidade. Os cortes se transmutam em dramas pessoais. São milhares de projetos de vida cortados em plena jornada. São pessoas que fizeram escolhas, que deixaram de aceitar outras oportunidades porque se sentiram vocacionadas para a ciência, que investiram anos e anos de suas vidas - e agora são jogadas no vazio.

Gente que abandonou emprego. Gente que recusou emprego. Gente que mudou de cidade e não tem como se manter. E o que faz o ministro da Educação? Exibe sua total insensibilidade. Quanto tem chance, debocha. É pior do que ser iletrado. É pior do que ser desinformado. É pior do que ser reacionário. É pior do que ser obscurantista. Se fosse só isso, estaríamos muito mal. Estamos pior. Ele é perverso!

Nenhum comentário:

Postar um comentário